Julico mergulha em emoções e explora sonoridades em Onirikum

Julico é multiinstrumentista, compositor e artista gráfico, nascido na cidade de São Cristóvão em Sergipe. Ele é conhecido por ser o fundador da banda The Baggios, um dos grandes nomes da música brasileira. Com turnês internacionais e indicações ao Grammy Latino por seus discos Brutown (2017) e Vulcão (2019).

O artista embarcou em carreira solo no ano de 2020, com a estreia do debut Ikê Maré. O disco conta com 13 músicas e foi lançado pelo selo Toca Discos. A sonoridade caminha por gêneros já conhecidos do músico, como a música brasileira, rock e o blues. O resultado foram as prensagens em vinil totalmente esgotadas.

Inevitável dizer que assim como os trabalhos do The Baggios, as composições são feitas com maestria. Fica nítido o amor de Julico pela música. É ele quem grava todos os instrumentos, produz e não menos importante, faz as artes de camisetas e alguns pôsteres de shows.

Julico

No último dia 20 de outubro foi lançado seu segundo disco de estúdio sob o título Onirikum. A palavra vem de “onírico”, que é algo relacionado a um sonho ou situações fantasiosas. Sobre o nome que batiza seu trabalho, ele diz:

Representa para mim um estado de espírito onde acesso aos devaneios e sentimentos mais profundos. Os sonhos são como janelas que nosso subconsciente acessa e revela mensagens, imagens, ideias, sons e os mais variados desejos e sensações.

Nesse universo me inspirei para compor esse álbum, mergulhando nas minhas memórias límpidas e turvas traduzindo através do som e da escrita meus sentimentos sobre temas que me angustiam, me deixa feliz, me alivia ou simplesmente me move.

Arte do disco Onirikum

A começar pela arte da capa, temos uma imagem influenciada pelo surrealismo, o interessante é que ela foi criada por inteligência artificial.

Quando falamos em sonoridade, o álbum é um espetáculo à parte, aqui Julico se supera e faz uma jornada por diversos gêneros musicais. Incorporando elementos que vão desde as brasilidades, com ritmos da música nordestina, mpb, samba, passando pelo rock psicodélico setentista, blues, jazz e o funk.

Alguns destaques do álbum são as faixas, “Then Pain May Become Tracks”, ela abre o trabalho com uma atmosfera misteriosa. Aqui o artista pisa em territórios diferentes, com uma pegada que talvez poderíamos classificar como um “trip-rock“.

Em seguida, “Mon Amour” é uma nítida declaração de amor. A sensibilidade não está somente nas letras, mas também na sonoridade que é muito bem construída, com momentos psicodélicos e outros mais melódicos.

A faixa título Onirikumé uma das mais lindas, daquelas que logo nos primeiros segundos vocês sabe que vai se apaixonar, com melodias e letras tocantes, ela fala sobre amor, sonhos e a arte. Mais uma faixa que merece o devido destaque é “Música”, aqui Julico expressa todo seu amor pela arte, podemos considerar uma de suas melhores composições, é uma daquelas músicas para prestar atenção em cada detalhe.

“Motivo de Saudade” conta com a participação da cantora Fernanda Broggi, é um samba de tamanha beleza, com melodias de flauta maravilhosas e que fala sobre tempos nostálgicos:

“De quando eu tinha meus irmãos de verdade, onde existia mais amor e amizade, pouco falava-se de medo, se eu caía era pra recomeçar…”

Julico, Motivo de Saudade

É até difícil falar sobre um disco que não tem uma música ruim. “Fazemblues” é um show, o blues sempre esteve presente nas composições de Julico, isso não é novidade. Mas, ele consegue fazer ouro durante os riffs de guitarra que vão derretendo ao decorrer da música.

“Banho de Sal Grosso” também é uma das favoritas. As belezas nordestinas aqui estão impressas no ritmo do baião, riffs deliciosos de baixo, o sotaque e aquelas guitarras psicodélicas que dão o toque final.

O trabalho se encerra com “Trem Veio”, uma composição nas raízes do blues. Destaque para os sons de gaita que nos levam pra um cenário quente e deserto. Mais uma vez somos surpreendidos!

Não é a toa que Julico já foi indicado para premiações do Grammy. Quando falamos sobre artistas da atualidade, ele é com certeza um dos mais criativos. Sempre entrega trabalhos acima do nível. Como já falamos em outra matéria sobre Ikê Maré, ele está deixando seu legado na música brasileira e ainda seremos muito gratos por isso.

Pra completar essa matéria, enviamos algumas perguntas sobre o disco novo e algumas curiosidades, confira a seguir:

Primeiro, gostaria de saber um pouco sobre seu contato com a música. Quais memórias você tem dos artistas que te fascinaram e quando foi que você decidiu que gostaria de fazer música?

Tem um marco pra mim que eu acho muito importante na minha vida musical, que é quando eu recebo uma fita k7 do acústico do Nirvana. Eu tinha 13 anos, e ainda estava perdido em relação ao que eu queria fazer, no que eu sonhava em ser, era um momento bem embrionário da minha vida.

Acho que ali rolou uma provocação de querer entender mais sobre esse movimento do rock. Entender de onde vinha aquele som, a origem, as influências dele, como tocavam aquelas músicas. Aí acho que despertou mais o meu lado instrumentista de querer tocar aquelas músicas, de formar banda.

Pensando em pessoas que me influenciaram e me fascinaram ao vivo principalmente, foram as bandas aqui de Aracaju mesmo. Sou do interior do Sergipe, São Cristóvão, mas vivia muito em Aracaju pra ver shows e tudo mais.

Bandas lendárias como Snooze, Karne Krua, Lacertae, Plástico Lunar, foram fundamentais pra eu me interessar em formar banda, em estar ali fazendo aquele mesmo papel de composição, de show, de fazer discos e tudo mais. Mas, em relação a outros artistas que nessa época tinha muito do rock, do grunge, do punk e aos poucos da música brasileira que era algo comum na minha casa.

O que mais te inspira a escrever as letras das músicas? Existe algum processo que você costuma seguir ou apenas deixa as ideias fluírem?

A escrita das minhas músicas está ligada muito a minha vivência, as coisas que me despertam algum fascínio, algum interesse, alguma paixão. Tudo faz parte de uma inspiração, na minha vivência, desde tocar o instrumento, compor, fazer meus trampos e também conhecer gente nova. Conhecer experiências de gente nova, ver filme, ler livro, tudo isso realmente complementa, se soma e faz com que eu construa algo.

Esse novo disco Onirikum tem muito das minhas lembranças oníricas, dos sonhos e tudo mais. Mas também tem muita coisa da vida real, de vivências com pessoas que me trouxeram muito aprendizado no dia a dia, relações afetivas, amigos, histórias que eu já ouvi.

Tudo isso é uma inspiração pra uma escrita e às vezes também traumas, coisas que demoram pra serem captadas e vem a tona com mais frequência. E pra mim é uma forma de traduzir sentimentos mais subjetivos e transformar isso em arte, em música e fazer com que eu me relacione melhor com isso, com coisas mais intimas, etéreas, o disco é muito isso, tem muito desse lado íntimo meu.

Temos aqui mais uma obra de arte! Julico, o que você pode nos contar sobre todo o processo de construção de Onirikum e no que ele se difere do anterior Ikê Maré?

Primeiro, a parte de composição e sonoridade do disco realmente são diferentes. O Ikê Maré eu gravei bateria numa casa na beira de um rio, tinha todo um misticismo ligado ao álbum que foi muito massa.

E era um álbum que antes de tomar a forma que ele tomou, era pra ser um disco um pouco mais enxuto, mais lo-fi. Mas no final das contas eu me surpreendi com os resultados das coisas que foram captadas e das composições. Eu ouvi um álbum um pouco mais rico do que eu imaginava inicialmente, mas a temática dele é diferente do Onirikum, por trazer outras direções.

O Onirikum no fim das contas tem essa questão da temática que é bem abrangente e muito ligada a vivências mais intimas e pessoais. Aos meus sonhos e subconsciente, dos desejos, do que eu projeto na vida, o que eu sinto falta, nas minhas vivências amorosas. Isso tudo é novo comparado aos trabalhos que eu tenho feito até então com a The Baggios e o meu trabalho solo.

No final das contas, os dois tem as mesmas influências, só que exploradas de maneiras diferentes. Eu tenho o funk, o soul, a música brasileira. Só que nesse último álbum o que tenho notado é que as pessoas têm comentado muito sobre essa diversidade musical.

E nisso eu vou abraçando e aceitando essas colocações, porque é muito mais complicado falar sobre o meu trabalho do que parece ser. E ás vezes eu percebo que com o tempo, tomando distância de como foi produzido, daquele lugar que eu estava imerso naquele processo, eu vou ter um olhar um pouco mais diferente dos álbuns.

Vou vendo a crítica, o que vão falando, o que as pessoas vão falando, e eu tô feliz pra caramba com o que eu tenho ouvido. Tá tudo muito ligado a um lado positivo dessa desconexão que eu tenho já com o disco anterior e o disco da The Baggios, e eu acho muito massa isso.

Na arte da capa de Onirikum temos uma imagem surrealista bem impactante e bonita que foi criada com IA. Como foi o processo de criação e qual a sua opinião sobre essa tecnologia, já que é um assunto muito controverso nas discussões atuais?

Eu sou um cara que trabalha com imagem desde o início da minha música. A Baggios trabalha desde 2004, e desde o início eu faço cartaz manualmente com caneta, mas ao mesmo tempo projetando coisas maiores que eu não tinha nem acesso a como era feito aquele processo de capas de disco, efeitos e tudo mais, então pra mim era tudo novidade.

De repente, eu vi o Photoshop como ferramenta de trabalho que facilitava muito o processo, de pegar uma foto, distorcer, aplicar filtro, tipografias e tudo mais. Eu falo isso porque isso tá ligado a tecnologia, a evolução da tecnologia, a visão do que é e não é arte.

Eu relaciono isso até a como foi feito o hip hop, como eram produzidas as batidas. Através de máquinas que processavam pequenos recortes de músicas, e essas repetições geravam um beat e faziam daquilo uma base para um cara criar uma rima e um texto em cima, através de uma música já pronta.

É uma coisa meio complexa de se falar, mas eu sou total adepto a tecnologia, não sou aquela pessoa “cricri” que só usa equipamentos analógicos. Apesar de gostar disso, gravar com amps valvulados e de usar pedais analógicos, eu também uso o computador ao meu favor na hora de gravar um disco, de aplicar um plugin na minha voz, botar um efeito na guitarra, aplicar um compressor ou um equalizer, tudo que for possível pra otimizar as ideias que eu tenho em relação a criação.

Olhando pro passado, eu sempre fui uma pessoa a favor disso, de estar aberto a essas novas ferramentas e possibilidades de criação. E a inteligência artificial pra mim é uma dessas ferramentas que surgiram. E naturalmente se tornaram polêmicas porque faz com que qualquer usuário construa artes a partir de outras artes, e gere coisas inéditas, porque não tem precedentes iguais de arte.

Então, quando eu criei essa arte do Onirikum, eu passei mais ou menos uma semana trabalhando nela. Gerei várias versões, várias ideias diferentes que contemplavam a ideia do álbum. Mas ao mesmo tempo não era o suficiente pra ter esse impacto de traduzir o que eu queria.

Eu queria ter uma animal ali na capa, o cachorro já era algo central, então esse já foi um comando que eu coloquei. As pessoas em volta dele também foi outro comando que eu coloquei. A paisagem deserta foi algo que eu também construí aos poucos com esses comandos que são colocados na inteligência artificial.

Então, no final das contas, eu usei a minha imaginação pra concretizar uma obra a partir desses bancos de dados. Imagens e referências de pinturas que eu curto, dos personagens.

Eu upei a foto do meu cachorro, que é um ser que tá muito presente nas gravações do meu álbum e me acompanhando. E tem toda a simbologia que eu acho massa. Do animal, do cachorro que é um ser muito verdadeiro, dócil e ao mesmo tempo protetor, leal, sem egos, muito verdadeiro. Então isso tá muito conectado a obra do disco, eu consegui de uma maneira prática.

Uma coisa muito interessante e que vale colocar em questão aqui é que eu sou um artista independente, nem tudo o que eu queira concretizar, por exemplo, eu não tive como gravar esse disco num puta estúdio, então eu gravei no meu home estúdio 90% do disco.

Eu tive todos os custos de produção, gravar bateria em outro estúdio, mixagem e masterização, então se eu colocar aí por exemplo, eu vou fazer uma arte complexa como é a desse álbum, contratar um artista visual pra fazer uma pintura, por exemplo, eu não ia ter esse fôlego e dinheiro, e eu sou artista também, eu acabo atuando nesse ramo das artes visuais, sempre trabalhei com fotografia nas capas da The Baggios, no meu primeiro álbum também.

A música quase sempre tem um poder imagético, muitas vezes nos pegamos imaginando cenários e isso que torna toda a experiência mais completa. Se você pudesse escolher uma das suas músicas para fazer parte da trilha sonora de um filme, qual música e filme escolheria e por quê?

Eu acho muito curioso, é uma questão muito pertinente pra mim inclusive porque eu construo músicas e tenho muitas imagens, enquanto eu tô compondo música eu estou de alguma maneira me colocando naquela situação, naquela cena, paisagem, muitas vezes vem ideias de clipes.

É uma pergunta até complexa, porque eu amo cinema e tenho vários filmes preferidos, e eu ainda não tinha pensado em relacionar meu álbum a um filme específico. Mas, se eu pudesse escolher uma faixa do álbum, eu escolheria “Música”.

É uma música que fala sobre a minha relação com a arte, a arte que eu dediquei mais da metade da minha vida, e que é meu estímulo de escolher filmes, eu assisto muito cinebiografias, documentários, eu acho que eu colocaria essa faixa em algum filme relacionado a vida do artista, da tentativa de sobrevivência, de manter sua obra viva, de ter uma construção de público e audiência pra sua obra, aí tem uma lista infinita que eu poderia colocar depois pra você citar algumas.

Quais são seus planos futuros? Existe a possibilidade de uma edição em vinil e shows para apresentar o novo trabalho?

Falando sobre os planos, o disco tem um mês de lançado, e eu tô entusiasmado, to curtindo a ideia de lançar um trabalho paralelo a The Baggios, e quero muito que isso se torne um início de um trabalho paralelo nos palcos também.

Por que o meu primeiro álbum foi lançado na pandemia, 2020, no auge, então eu nem pude nem fazer show de lançamento, passei mais de um ano e meio sem tocar, só pude apresentar meu trabalho mesmo no ano passado, e esse disco eu vou fazer um show de lançamento agora em Aracaju pra dar esse pontapé inicial, até terça-feira vai sair um clipe novo, o primeiro do álbum, para a faixa “Música”, inclusive.

Esse clipe mostra os bastidores das gravações do disco, as participações, eu acho que é um pontapé interessante pra mostrar como foi essa energia de criação do álbum. E aí tô querendo muito fazer uma circulação dentro do que for possível, de fazer shows primeiro em cidades mais próximas, Salvador, Alagoas.

Tô tentando muito fazer show em São Paulo e Rio de Janeiro, acredito que se rolar, será no primeiro semestre do ano que vem, é meu desejo grande em fazer shows lá, porque sei que tem pessoas que curtem meu trabalho e abraçam essa ideia, nós vamos tentar, a banda são quatro pessoas então já tem uma certa dificuldade com custo.

Em paralelo aos shows, é lançar clipes, eu tenho dois roteiros praticamente prontos pra dois clipes do álbum, e minha ideia é produzir de acordo com o tempo e a parte de investimento, lançar até meados de 2024, além desse clipe que vou lançar semana que vem, terão mais dois clipes.

Confira o disco Onirikum:

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Confira a nota sobre Ikê Maré em nossa lista de melhores discos nacionais de 2020.