Tudo começou em 2009, quando o This Lonely Crowd, um quinteto de Curitiba, se juntou para compor músicas com temáticas que exploram obras literárias, sejam elas poesias, cantigas ou contos de fadas.
Em 2010 lançaram nada menos do que três EP’s via Sinewave records, são eles: An Endless Moment Everyday All the Time, EPhemeris e Entangled Chaos, com uma sonoridade influenciada por gêneros como o post-rock, heavy metal, pop e shoegaze, trazendo dissonâncias, peso e melodias que nos remetem a uma fusão de bandas como Slowdive, The Smashing Pumpkins e até Napalm Death.
Desde aí o This Lonely Crowd já sabia a receita certa parar criar suas músicas, com adaptações para obras maravilhosas como Tinkerbell (Sininho, em português), A Fantástica Fábrica de Chocolates ou poemas de escritores como Lewis Carroll, Irmãos Grimm, William Blake e Emily Dickinson.
A banda dá vida (musicalmente falando) à obras que estiveram adormecidas ou não descobertas, em 2011 lançaram o seu primeiro disco cheio, o belo e barulhento Some Kind of Pareidolia, repleto de ótimas músicas na qual uma delas virou vídeo, Spotty Powder.
Até agora são seis discos, uma coletânea que inclusive traz ótimas sobras de estúdio, músicas ao vivo e dois covers adoráveis de Everything Counts do Depeche Mode e Lucid Fairytale do Napalm Death e três EP’s mencionados acima. O TLC é sem dúvida uma banda muito produtiva, e claro, muito criativa.
Todos os seus discos são uma imersão em um mundo paralelo de histórias e criaturas, que se desdobram em climas mais nostálgicos e melódicos ou agressivos, seus integrantes usam codinomes a cada disco, dessa vez temos Ludo (guitarra), Bonifuzz (guitarra), Trushbeard I (bateria), Rainha Branca (baixo, vocal) e Fizzgig (guitarra, vocal).
Assim caminha Acta Obscura, seu novo trabalho, onde continuam uma jornada afim de personificar poemas de Lewis Carroll e também muitos outros de autoria desconhecida. Produzido pelo baterista Trushbeard I, gravado nos estúdios O.R.T.A em Curitiba, conta ainda com a participação de Régis Garcia e Mônica da banda The Sorry Shop na faixa Amálgama.
Aproveitando o lançamento batemos um papo com a banda, que nos contou um pouco sobre as composições, carreira e também o conceito do disco.
As portas estão abertas, bem vindos ao universo de Acta Obscura!
Vamos começar falando sobre o processo de composição, desde os primeiros lançamentos vocês compõem músicas influenciadas por obras literárias e gêneros diversos. Como funciona o processo de criação na hora de conectar esses dois campos?
Fizzgig: isso acaba variando um pouquinho em cada disco. Em geral, a gente primeiro pensa no tema, que pode vir de uma obra, ou de um autor, ou de um estilo inusitado. Com o tema, a gente seleciona dentro das coisas que gostamos de ler: literatura fantástica, poesia. Daí depois a gente cruza essa seleção com o que quisermos passar no disco. No Acta a gente queria um som entre o Fleetwood Mac de 1975-1976 com Cannibal Corpse!! Daí pra sair isso é uma outra história…mas fica servindo como guia e a gente vai se inspirando e desenrolando a coisa.
Rainha Branca: O tema vai sendo modelado desse jeito. Vamos selecionando as passagens, compondo, colando as partes, encaixando etc…tem meio que uma fórmula nossa, que a gente sempre muda pra não repetir tanto!
Acta Obscura é o sexto disco de estúdio da banda, o que podem nos contar sobre a escolha do título e o conceito?
Fizzgig: queríamos um disco voltando mais uma vez ao Lewis Carroll. Ou seja: poesia absurda, non-sense. Boa parte das letras são poemas anônimos de livros com mais de duzentos, trezentos anos e são simplesmente fantásticos. Com uma temática tão volátil, é fácil ir da barulheira para o leve, é mais simples se inspirar. ‘Acta’ remete à revistas de publicação científica; ‘Obscura’ combina com a gente, das profundezas do subterrâneo do rock.
Ludo: até rolou dois títulos diferentes. O outro vamos usar pro PRÓXIMO disco.
Dessa vez a arte da capa foi criada por outra artista, como chegaram até ela?
Fizzgig: a Vassilissa é uma jovem e talentosa desenhista francesa especializada em fantasia. Caímos nos desenhos dela pela internet afora, com ilustrações para role playing games e, em preto e branco, as imagens soaram exatamente como nossas músicas e temas. Um dos primeiros desenhos dela foi aquele dos servos em posição fetal rodeados por uma coroa de galhos e, poxa, aquilo é lindo demais. Imagino que pra ela desenvolver a arte tenha sido moleza, por já ser muito familiarizada com esse mundo de fábulas.
Bonifuzz: Foi legal que variamos também a arte! O Julian Fisch sempre trabalhou com fotos ou imagens abstratas. Agora tivemos um disco com uma capa desenhada em preto e branco!
Nos últimos trabalhos vocês tem trazido influências nacionais, seja em títulos em português ou cantando como nas faixas Daguerreotypes e também Voynich Decoded, que é uma adaptação para a música “Elefante” de Robertinho do Recife. Como foi feita a escolha, foi difícil adaptar a sonoridade da banda às letras? De onde vem as letras de Daguerreotypes?
Fizzgig: minha primeira guitarra foi uma flying V, que ainda tenho, por causa de 1. rock pesado/heavy metal e 2. por causa do clipe da música “O Elefante”, acho que de 1982, que eu via passar quando criança. Eu achava aquilo maravilhoso, o riff inicial, a letra amalucada, a Emilinha cantando e tocando em uma Flying V, revesando com as crianças, enquanto o Robertinho do Recife fazia pose. É um marco para a minha paixão pela música. Como a gente não quis tocar uma cover, reinterpretamos para uma instrumental totalmente nova. Fica como nossa homenagem modesta para eles. Adaptar a letra foi moleza porque é exatamente como nos sentimos.
Rainha Branca: Daguerreotypes tem uma letra que é uma poesia que o meu pai aprendeu quando criança. Daí ele cantava de brincadeira para mim quando eu era pequena. E não tem sentido nenhum, são versos divertidíssimos.
Falando sobre contos de fada, na sua opinião qual a importância dessas histórias? Vocês acham que as novas gerações estão perdendo o costume de ler?
Fizzgig: são história fundamentais para aprender a sonhar melhor, para confabular possibilidades ou épocas absurdas, que nunca existiram. É difícil explicar, porque eu não acredito em ‘fuga’ ou ‘escape’. Essas histórias estão dentro do nosso ‘subjetivo’, da nossa abstração. Só usando isso podemos ter felicidade, ficando em paz com nossos fantasmas. Olha, se as novas gerações estão perdendo esse costume, eu até acho que não, mas o paradigma do consumo da leitura é outro, por conta de celulares, tablets, fazer dez coisas ao mesmo tempo etc e isso vem prejudicando o poder de ‘criar’ o abstrato. Dentro das nossas casas, estamos ensinando a leitura e a abstração do nosso jeito.
Existe a possibilidade de explorarem mais escritores e histórias do folclore brasileiro em composições futuras?
Fizzgig: claro que sim! A gente já tinha feito a ‘Pirlimpimpim‘ e a ‘Mytilda‘ do disco anterior. A gente adora clássicos nacionais. Quando vem ideia, vira música!
Vocês estão prestes a completar 10 anos de banda, como avaliam sua carreira até aqui?
Bonifuzz: 10 anos, mas já??
Rainha Branca: já falamos disso antes, que o TLC é um livro inacabado, cada disco é um capítulo. Temos orgulho dessa modesta obra!
Ludo: tem quase cem músicas nesse monte de disco; mais umas trocentas que escondemos nos baús. Somos bem produtivos!
O This Lonely Crowd costuma fazer shows esporádicos, vocês continuarão sendo uma banda de estúdio ou planejam fazer mais shows futuramente?
Fizzgig: sempre planejamos shows sim. A dificuldade é gerenciar o tempo, de ter que fazer intensivos de ensaios, e o empenho que um show de banda independente envolve. Enquanto a gente fica se reunindo em um domingão de manhã para tomar café e tirar um som, a coisa é bem mais fácil…
Se vocês pudessem trabalhar com algum artista/banda dos sonhos qual seria e por quê?
Trushbeard I: se fosse possível, eu queria trabalhar com o Daniel Orta. Todas as vezes que eu mostrava a ele alguns dos meus trabalhos, sempre conseguia acrescentar detalhes magistrais que eu levarei para sempre comigo. E ele adorava as composições do TLC. Estava sempre no seu tablet. A gente vem dedicando todos os nossos discos para ele desde 2013.
Fizzgig: eu adoraria uma sonzeira com o Dio, lá por 1975-78, na época do Rainbow! Porque o Dio é o Dio, né?
Rainha Branca: DEPECHE MODE!! Minha banda favorita, sempre.
Muito obrigado pelo tempo em conversar com a gente, deixem algum recado para quem ainda não conhece a banda.
Fizzgig: se você nos achou, escutou e gostou, seja muito bem-vindo! As portas do nosso nicho estão escondidas, mas sempre abertas, para todos, de todas as idades, culturas, origens e convicções.
Rainha Branca: que nem um livro aberto.
Ludo: Essas guitarras gritam muito mais!
Meus agradecimentos ao This Lonely Crowd pelo tempo em responder as perguntas e parabéns por mais um disco maravilhoso!