Há 35 anos atrás Cocteau Twins lançava ‘Victorialand’, seu quarto disco

Em algum momento do ano de 1979, diretamente da pequena Grangemouth, uma cidade escocesa com menos de 20 mil habitantes, surge o trio de pós-punk/etereal Cocteau Twins, formado por Elizabeth Fraser (vocal), Robin Guthrie (guitarra) e Will Heggie (baixo).

No fim dos anos 70 e começo dos 80, artistas europeus, principalmente do Reino Unido e Alemanha entravam na onda da música obscura. O chamado pós punk ou darkwave, feito por bandas como Joy Division, Siouxsie and the Banshees, The Cure e Bauhaus, deixavam para trás as letras rebeldes do punk para se aprofundar em uma música poética, sombria e romântica, influenciada por literatura e cinema.

Com o lançamento do primeiro disco, o ótimo Garlands (1982), os Cocteau Twins embarcaram nessa onda. Trazendo um baixo bem marcante, guitarras sinistras cheias de efeitos, samples de bateria e os belos vocais de Elizabeth, como na faixa ‘Blind Dumb Deaf‘.

Por causa dessa sonoridade, eles chegaram a ser comparados com Siouxsie and the Banshees, fato que não os agradou muito, já que não queriam ser apenas mais uma cópia de outras bandas que já faziam um certo sucesso naquela época.

Cocteau Twins


Os próximos anos também não foram como imaginavam, mesmo com o lançamento do segundo disco ‘Head Over Heels‘ e caminhando para uma sonoridade mais etereal, o trio sentia que ainda não estava recebendo o merecido reconhecimento. Tentando se encontrar em meio a uma época onde as bandas tinham muito em comum, os Cocteau Twins tentavam nadar contra a corrente.

Com novas ideias para seu terceiro disco e a procura de alguém com quem pudessem trabalhar suas experimentações, chegaram inclusive a articular com o famoso produtor Brian Eno, conhecido por suas trilhas ambientes e também por ter trabalhado com David Bowie, que infelizmente recusou a ideia.

Em ‘Treasure‘, chegaram ao ápice de sua criatividade, considerado por muitos fãs o melhor da carreira, o álbum ainda hoje é ignorado pela própria banda. Nas palavras do guitarrista Robin Guthrie ”aquele disco é um aborto”.

Cocteau Twins
Cocteau Twins (Foto: Odile Noel/Redferns/Getty Images)

Com o passar dos anos eles foram remanejando suas músicas, a experiência adquirida nos primeiros discos foi crucial para os próximos lançamentos. Em 14 de abril de 1986 deram a luz à ‘Victorialand’, o quarto disco de estúdio marcava uma nova fase para o Cocteau Twins, diferente de tudo o que eles já haviam produzido.

O título é uma referência a Victoria Land, uma região na Antártica descoberta pelo capitão James Clark Ross, um explorador que fazia expedições na região, o nome é uma homenagem à rainha Victoria do Reino Unido.

Assim como no disco ‘Treasure’ (1984), para escrever algumas letras Elizabeth selecionou palavras aleatórias, se preocupando mais com os seus fonemas do que com os significados. Um exemplo é a faixa ‘Whales Tails‘ (Caudas de Baleias), inspirada em uma passagem de um livro escrito em outro idioma. Além disso, outros títulos de músicas foram retirados de um livro sobre o Ártico chamado The Living Planet, lançado em 1984 por David Attenborough.


Falando sobre sonoridade, aqui a banda deixa de lado o som pós punk e viaja em uma atmosfera cada vez mais etereal e minimalista. Sem uso de baterias eletrônicas, linhas de baixo e distorções barulhentas, as músicas são levadas por uma aura totalmente celestial.

A faixa ‘Lazy Calm‘ abre o disco com riffs de guitarra sensíveis e espaciais, que logo são embalados por algumas linhas de saxofone, fazendo você se sentir flutuando por um vasto universo. Além das guitarras mágicas de Robin Guthrie, os vocais de Elizabeth preenchem todas as músicas assim como um instrumento, podemos ouvir sua bela performance em ‘Fluffy Tufts‘.

Outro fato interessante é o violão que comanda ‘Throughout the Dark Months of April and May’, o instrumento acompanha a bela voz de Fraser em um tom mais acústico e cria um clima comovente, algo até então não muito explorado. Já em ‘Oomingmak‘ os vocais dela alcançam linhas líricas, assim como um canto sedutor que provoca um verdadeiro êxtase sonoro.


Little Spacey‘ lembra algumas faixas do disco Treasure pelas linhas vocais, a forma com que Fraser canta algumas palavras sequenciais criam sons e aquela vibe emocional e transcendental.

Outro grande momento e que já nos encaminha para o fim do disco, é a faixa ‘Feet-like Fins‘ (Barbatanas semelhantes a pés), onde Guthrie consegue extrair de sua guitarra um som parecido com o de uma harpa. De fundo, algumas percussões leves dão um tom tribal, nesse mesmo momento Fraser entona seus vocais para acompanhar a intensidade da música.

How to Bring A Blush to the Snow‘ e seus incríveis riffs iniciais que ao longo vão ecoando pelo espaço e conseguem trazer um sentimento de nostalgia, aquele momento em que você se pega aos devaneios da vida. O destaque aqui vai mais uma vez para os vocais, entre camadas principais e backing vocals eles completam a aura da música.

Chegando ao fim, ‘The Thinner The Air‘, inicia num clima mais sombrio, com toques de piano, guitarras e sons ambientes que aos poucos vão surgindo e criando uma ponte até cairmos nos cantos ecoantes de Elizabeth que mais uma vez atinge linhas líricas muito belas e melancólicas.


Victorialand é um marco na carreira do Cocteau Twins, ainda que não receba o devido destaque, o disco traz belas paisagens sonoras, doces e profundas, resultado da dedicação e a entrega de Guthrie e Fraser nesse processo que pode ter pego alguns fãs de surpresa ao se distanciar das sonoridades mais obscuras e dançantes.

Inevitável não citar seu marco de beleza e genialidade, que com certeza continua reverberando até os dias de hoje, uma certa influência para artistas da música ambiente e do dream pop.

Escute o disco:

Site Cocteau Twins | Spotify

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