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A psicodelia brasileira em 10 discos

Caracterizada pelas experimentações, climas frenéticos e alucinógenos, a psicodelia brasileira é um gênero que reverbera até os dias de hoje. O movimento, que teve início durante os anos 60 na Califórnia e Reino Unido, flertava com as novas drogas da época.

Foi nesse tempo, em meio a tantos diagnósticos de estados transcendentais e visões deturpadas sobre o mundo e a forma como vivemos, que muitos artistas sob efeito de substâncias ilícitas, gravaram discos e músicas que traziam composições extranaturais.

Essas características andavam de mãos dadas com as filosofias do movimento hippie, que surgia na mesma época. Pregando a paz, amor, a não violência e a liberdade do ser humano diante da vida supérflua.

A união desses movimentos deu luz a uma leva de artistas, que gravaram discos com temáticas psicodélicas, tais como: Pink Floyd, Beatles, Grateful Dead, Janis Joplin e The Doors.

Psicodelia no Brasil

No Brasil, o movimento começou na metade dos anos 60, e é inevitável mencionar Os Mutantes, talvez um dos maiores nomes nacionais da música psicodélica a conquistar grande sucesso internacional.

Contudo, o gênero não se resume apenas a eles, temos outros grandes artistas e bandas que entraram na ”onda” da música viajada e gravaram discos que nos impressionam até hoje. Lembrando que naquela época a ditadura militar repreendia a liberdade de expressão.

A originalidade foi com certeza um dos pontos altos e interessantes da nossa psicodelia brasileira. Devemos isso também ao movimento da Tropicália. Nesse período, as raízes da nossa música afloravam e foram muito bem incorporadas.

O resultado foi único e majoritariamente brasileiro, algo que não entrava na rota de artistas estrangeiros.

Os Mutantes em seu ”Panis et Circenses” de 1968 e Caetano Veloso em seu auto intitulado de 1968 ou Novos Baianos em seu primeiro disco são um bom exemplo disso.

Novas temáticas eram novidade e foram sendo exploradas por alguns artistas. Jorge Ben em seu décimo primeiro disco ”A Tábua de Esmeralda” abordava com maestria o misticismo.

Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Gal Costa, Arnaldo e Sérgio
Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Gal Costa, Arnaldo e Sérgio

Nordeste na rota da psicodelia brasileira

Em meados de 70, especificamente no Recife, surgia também um movimento underground que viria pra acrescentar uma forte identidade a música popular chamado Udigrudi.

Nele, jovens artistas e músicos utilizavam da contra cultura e do regionalismo para criar algo como uma ”sociedade paralela” ao sistema. Dessa forma, se expressavam através da música, teatro, cinema ou artes plásticas.

Devemos merecidamente citar a banda pernambucana Ave Sangria. Eles fazem parte desse movimento e gravaram um dos melhores discos da época, o auto intitulado Ave Sangria de 1974.

Além disso, muitos outros artistas como Alceu Valença, Marconi Notaro, Zé Ramalho, Lo Cortês e Robertinho do Recife conseguiram unir altas doses de psicodelia e música nordestina, misturando ritmos como xote, baião, forró e frevo.

Essa sonoridade rica mostra a autenticidade dos artistas brasileiros ao participarem desse movimento mundial, trazendo suas próprias características para criar algo novo e fora dos padrões.

Boogarins
Boogarins

A neo-psicodelia

Anos mais tarde, a música psicodélica ainda mantinha sua força. O chamado neo psicodélico apresentava artistas e bandas da geração 2000, influenciados pelos veteranos que deram início ao movimento no Brasil e no mundo.

Alguns seguiram caminhos sonoros diferentes, trazendo novos elementos a essa música. As últimas tecnologias, a possibilidade de usar instrumentos virtuais e produzir música dentro do próprio quarto, fizeram com que esses músicos resgatassem e também trouxessem novos moldes ao som.

Enquanto ”lá fora” o Tame Impala surgia ainda tímido em meados de 2008 na capital de Perth, na Austrália, outros nomes hoje já bem conhecidos seguiam os mesmos passos, caso do The KVB, Melody’s Echo Chamber e Temples.

Tagore psicodelia brasileira
Tagore

Aqui no Brasil ótimos nomes foram surgindo entre os anos 80, 90 e início dos anos 2000. Precisamos citar nomes como Júpiter Maçã, Violeta de Outono, que mostrou uma baita qualidade em seu disco de estréia. E também a Mopho, que teve seu primeiro disco gravado apenas em 2000.

A nova geração segue muito bem representada por Supercordas, Boogarins, Tagore, My Magical Glowing Lens, Glue Trip entre muitos outros.

A discografia nacional do gênero é vasta, mas conseguimos separar pelo menos dez discos importantes do início dessa época e outros mais atuais que representam muito bem o Brasil. Fique com essas dez pérolas da nossa música.

Por fim, se você quiser conhecer melhor os discos psicodélicos brasileiros, existem dois livros lançados pelo jornalista Bento Araújo.

Os materiais foram batizados de Lindo Sonho Delirante, e possuem dois volumes, onde falam sobre os 100 discos da época, conhecida como uma das mais criativas da música brasileira.


Os Brazões – Os Brazões (1968)

Mesmo sem grandes histórias ou curiosidades, sabemos que Os Brazões surgiram no ano de 1968. Nessa época a tropicália estava em seu auge, eles foram suporte de artistas como Gal Costa e Tom Zé.

Em seu primeiro e único registro, trouxeram uma bela fusão da música psicodélica a momentos mais regionais também juntamente com a pegada do rock ‘n’ roll

Caetano Veloso – Caetano Veloso (1968)

Em seu primeiro disco lançado em 1968, Caetano Veloso emplaca músicas que até hoje fazem sucesso em sua carreira, como as faixas ”Tropicália” e ”Alegria, Alegria”, que inclusive já virou trilha de novela.

Embora esse seja um destaque da Tropicália, Caetano traz influências da psicodelia seja nas guitarras ou teclados, a faixa ‘Eles’ é a mais psicodélica do disco e inclusive tem uma menção aos Mutantes.

O visual da capa se destaca, com cores contrastantes e uma imagem surrealista de uma mulher segurando um dragão.

Gal Costa – Gal (1969)

Gal Costa entra com pé direito na psicodélica ao lançar seu terceiro disco. Começando pela arte da capa, a mistura de cores extravagantes, criaturas entrelaças em si, um clima meio subliminar, que é uma forte estética do gênero.

A sonoridade parte do rock ‘n’ roll da faixa “Cinema Olympia”, a momentos muito mais experimentais.

Quem não conhece a fase antiga da Gal pode até se surpreender com suas potências vocais, gritos, sussurros, e outros sons irreconhecíveis.

Ela foi praticamente a nossa ”Janis Joplin brasileira”. A faixa ”Objeto sim, Objeto não” traduz bem o que estou falando.

Os Mutantes – A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970)

Aqui Os Mutantes deixam um pouco de lado o som da tropicália que os fizeram famosos em seu primeiro registro, o famoso Panis Et Circenses.

Apostando em um som mais lisérgico, o título do disco é influenciado pela obra A Divina Comédia de Dante Alighieri.

Suas músicas abusam mais das guitarras e teclados, caso de ”Meu Refrigerador não funciona” com um show de interpretação nos vocais de Rita Lee.

Além disso, trazem faixas mais obscuras como ”Ave, Lúcifer”. O disco completou 50 anos em março deste ano e é considerado um dos melhores na carreira da banda.

Marconi Notaro – No Sub Reino dos Metazoários (1973)

Marconi Notaro foi um dos grandes nomes do som psicodélico setentista. Principalmente na cena do Recife, ao lado de nomes como Ave Sangria, Zé Ramalho e Lula Côrtes.

Além de músico, Marconi também era escritor, chegou a publicar 7 livros. No entanto, na música teve apenas um disco lançado, o clássico No Sub Reino dos Metazoários.

Esse é um daqueles álbuns que todo mundo deveria escutar, a música regional é um dos pontos fortes.

A faixa ‘Não Tenho Imaginação Pra Mudar de Mulher’ é um verdadeiro poema musical, assim como ‘Anthropologica – No I’ é um show à parte.

Ave Sangria – Ave Sangria (1974)

Alguns anos mais tarde a banda pernambucana Ave Sangria grava um dos melhores discos nacionais. O auto intitulado lançado em 1974, tem uma mistura maravilhosa entre o rock progressivo, a psicodelia e as raízes da música nordestina.

Essa sonoridade original traz um frescor para o estilo, e fortalece a região do nordeste como uma das mais incríveis na cena musical.

Ainda assim, a banda teve algumas de suas composições retalhadas por parte da mídia.

A música ”Seu Waldir’‘ segundo alguns, incitava a homossexualidade. Até mesmo ”Georgia, a Carniceira”, com suas letras mais fortes foi censurada.

O importante é que a obra segue cravada na história da música brasileira.

Lula Côrtes e Zé Ramalho – Paebiru (Caminho da Montanha do Sol) (1975)

Esse é um daqueles discos que nem todo mundo conhece, mas que tem grande importância. Sua aura se instala juntamente com a tentativa de desbravar um monumento cheio de inscrições rupestres, chamado de Pedra do Ingá, no sertão da Paraíba.

Os músicos, fascinados com a história, decidiram traduzi-lá através da música.

Aqui, ouvimos uma atmosfera ritualística, rica em sons, alguns relatos dizem que os integrantes ingeriram cogumelos da região durante as composições, que funcionam como jams experimentais e psicodélicas.

Boogarins – Manual (2015)

O Boogarins é um dos nomes atuais de destaque no rock psicodélico nacional. Residentes da cidade de Goiânia, eles ganharam atenção ao lançar seu primeiro disco As Plantas que Curam, trazendo altas doses de psicodelia e tropicália.

Podemos dizer que é quase um revival, ainda assim a sonoridade traz experimentos e uma pegada mais moderna.

Atualmente eles carregam quatro discos de estúdio na bagagem, já se apresentaram em festivais fora do país, inclusive no famoso programa de rádio KEXP em Seattle.

My Magical Glowing Lens – Cosmos (2017)

Com certeza uma das gratas surpresas para a música nacional. O My Magical Glowing Lens já vinha fazendo música em meados de 2013 quando tinham apenas um EP. Mas foi só em 2017, que lançaram seu primeiro disco de estúdio, o ótimo Cosmos.

As guitarras lideradas por Gabriela Deptulski trazem um apanhado de momentos espaciais e psicodélicos. Ouvir o disco é imergir em uma viagem no tempo e ao seu interior.

As composições, em grande parte em português, criam essa conexão maior com o ouvinte, destaque para “Sideral”, “Tente Entender” e “Supernova”.

BIKE – Em Busca da Viagem Eterna (2017)

O Bike, banda paulistana, também resgata a sonoridade psicodélica feita durante os anos 60 a 70. O ano de 2015 marca o lançamento de 1943, o primeiro disco de estúdio.

Porém, em 2017 o disco Em Busca da Viagem Eterna apresenta músicas com progressões hipnotizantes, como por exemplo a faixa ”A Montanha Sagrada”.

Eles já se apresentaram fora do país, inclusive no famoso festival Primavera Sound em Barcelona, além de outros países da Europa.

Hoje são com certeza um dos principais nomes da música psicodélica contemporânea nacional.

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