Não é novidade que a pandemia nos trouxe um caldeirão de sentimentos e conflitos, e foi a partir desse amontoado de situações que o quarteto belo-horizontino Mineiros da Lua, formada por Diego Dutra (baixo), Elias Sadala (guitarra), Haroldo Bontempo (guitarra) e Jovi Depiné (bateria) deu vida a Memórias do Mundo Real.
Esse é o segundo trabalho da banda, que surgiu com o EP ‘Turbulência’ (2017) e em seguida lançou o disco de estreia ‘A Queda’ (2019). Sempre experimentando, seja com o rock, a psicodelia, música eletrônica ou o pós punk, eles decidiram para esse novo álbum se aprofundar mais nos sintetizadores e batidas eletrônicas, trazendo uma nova estética sonora.
Memórias do Mundo Real é um disco que caminha com o cenário pandêmico no qual ainda estamos presos. Ele fala sobre os sentimentos que nos rodeiam, perda e autodescoberta. Foi lançado pelo selo Seloki Records, tem capa assinada pelo baterista Jovi Depiné e a produção do primeiro vídeo para o single ‘Nas Suas Mãos’ por Diego Dutra, baixista do grupo.
As oito faixas mergulham no clima psicodélico e experimental, como em ‘Armadilha‘. Além disso, o disco conta com algumas participações especiais de artistas nacionais e internacionais.
No primeiro single ‘Nas Suas Mãos’ somos envolvidos pelos belos vocais de Helena Cagliari (La Leuca). Assim como a sonoridade psicodélica e excitante em ‘De Peito Aberto’. A faixa conta com as rimas e vocais incríveis de nabru, Pessa e Aniya Teno, cantora colombiana.
O peito abre tipo cirurgia, tô com saudade de algum outro dia, mó vontade de viver a vida, você sabe os médicos fizeram o que eles podiam, mas já era tarde, por favor, alguém avise a família.
De Peito Aberto, faixa 3.
Já em ‘A Torre’ a banda convida o artista chinês Jason Qiu, a sonoridade experimental nos lembra algo de Björk, tentando ser mais psicodélica possível.
‘Avenida de Expressão Criativa’ assim como todas do disco, possui um instrumental bem trabalhado. Eu diria que a banda trouxe um material criativo como há tempos eu não escutava. A forma como as músicas se conectam, o uso dos elementos eletrônicos e climas psicodélicos sem soar como os clichês atuais. Estamos falando aqui de um dos nomes mais interessantes da cena independente de BH, os Mineiros da Lua.
Para entender um pouco mais sobre esse trabalho, batemos um papo com a banda sobre a construção, sonoridade e as participações especiais, confira abaixo:
Como é trabalhar em um novo disco em meio a esse caos pandêmico e político em que estamos presos? Como vocês conseguiram extrair coisas boas e focar em um disco que no final não traz um peso negativo para o ouvinte?
Haroldo Bontempo: Demorou alguns meses pra gente começar a produzir… em março de 2020 estamos desenhando um EP novo mas logo deixamos pro futuro… foi lá pra agosto, setembro que Diego (baixista) descobriu o soundtrap e sugeriu a gente tentar fazer umas músicas na plataforma. Foi bem confortável, dava pra adequar a rotina de todo mundo, e foi legal compor de um jeito novo!
Eu e outro integrante mudamos pro interior com a quarentena né… realmente não dava e nem queríamos encontrar. O cenário político a gente tenta é abstrair né… A gente focou em se divertir, foram momentos que a gente pode relevar a solidão, e tudo mais, acredito que isso espelhou no resultado um pouco mais alto astral.”
Inevitável comentar sobre os elementos eletrônicos nas músicas, aqui vocês utilizaram muitos beats eletrônicos, sintetizadores e efeitos vocais. Como surgiu a ideia de focar mais nessa sonoridade e quais foram as influências para esse trabalho?
Elias Sadala: Acho que essa questão da música eletrônica sempre esteve ali. Eu sempre gostei muito de música dos anos 80, synth pop e dream pop, gêneros que eu sempre achei bastante massa o uso de sintetizadores. Além disso, a banda sempre teve esse gosto em comum, a gente é muito fã de Kanye West, rsrs, e isso é bem perceptível ao longo de todo o álbum, essa coisa de vozes e etc sempre tiveram na obra dele e a gente acabou sendo influenciado demais.
Outro ponto que a gente queria testar nesse álbum é a questão do MIDI, nós sempre fomos muito simplistas, queríamos sempre fazer música com o que tínhamos (baixo, bateria e guitarras), nesse álbum o Diego chegou pra gente e basicamente falou “coloquem o que vocês quiserem, desde que fique bom, não tem problema” e como a gente não tem grana pra comprar um 808 ou um Juno a gente usou e abusou do MIDI. Foi bastante libertador.
O disco conta com cinco participações de outros músicos, como elas aconteceram? Era algo que vocês já tinham em mente ou foi um processo orgânico?
Haroldo Bontempo: Já tínhamos em mente sim, desde que lançamos o primeiro álbum (QUEDA, 2019) a gente queria incluir amigos e outros artistas que admiramos, inclusive no fim de 2020 lançamos uma musica com a Amarelo Manga do RJ (Fonte da Saudade, 2020).
Quando o disco novo foi tomando forma, fomos pensando em quem iria somar, qual música tinha a cara de quem, e convidamos. Nabru, Pessa e o Vitor são amigos lá de BH, já conhecíamos e tudo, Aniya e Jason foi o Jovi (baterista) que nos apresentou, conheceu eles em servidores do Discord, rsrs.
Vocês escolheram ‘Nas Suas Mãos’ para ganhar um vídeo clipe, inclusive muito bem produzido e com uma estética interessante que traz o uso de máscaras, uma ótima referência sobre o momento em que estamos vivendo. O que podem nos contar sobre essa ideia do vídeo?
Diego Dutra: O clipe foi pensado a partir do conceito do próprio álbum. Criamos essas máscaras que representam as personas que criamos durante a pandemia, todos nós. A partir disso rolou uma tentativa de sumarizar o álbum e relacionar com a faixa “Nas Suas Mãos”. Pegamos esse homem-pássaro para representar o isolamento e a dificuldade de entender quem realmente somos, sentimentos aflorados desde o início da pandemia. Ele tenta reencontrar alguém que ele acredita um dia ter sido, mas as memórias de quem ele era antes disso tudo são confusas, por isso a grande dificuldade.
Vivemos um isolamento digital e tentamos representar isso brincando com o oposto, um isolamento do mundo, perdido na natureza, da forma mais primitiva possível. Fizemos uma brincadeira em “Nas Suas Mãos”, com o sentido do próprio nome e refrão, nas SUAS mãos pode significar nas suas próprias mãos. Esse homem-pássaro tenta não sofrer mais nas suas próprias mãos, pois ele é a única pessoa com quem ele tem contato.
‘De Peito Aberto’ traz uma sonoridade bem diferente do que vocês já fizeram, com elementos do hip hop, é de longe uma das nossas favoritas do disco, como foi pisar nesse ambiente de certa forma novo para vocês?
Elias Sadala: Como a gente disse antes rap é uma coisa que tá muito presente no cerne da banda, lembro até hoje do Diego colocar ‘flashing lights‘ do Kanye numa playlist e eu fritar nessa música até cansar. Outro ponto que influenciou muito pra gente tentar essa confluência de gêneros é o pessoal do BADBADNOTGOOD (uma época até falaram que a gente era o badbadnotgood brasileiro, rsrs) que no primeiro álbum deles fazem uns cover de MF DOOM, Kanye e etc. Foi um campo que de certa maneira foi novo na composição, mas a gente sabia onde tava, porque a gente tem influência demais desse pessoal.
Aproveitando, as letras de ‘No Caminho pra Piedade’ são curiosas, como ela surgiu, trata-se de uma ficção ou fatos verídicos?
Vitor Borges (Cronista e desenhista): As letras de “No Caminho para Piedade” são sim inspiradas em experiências reais, mas isso não significa que o relato seja biográfico. Eu classifico ele como autoficção. O texto surgiu de uma sugestão de escrever algo meio western, então eu peguei algumas experiências da minha vida e me apropriei da memória de terceiros.
Pensei em como é ter um pé na roça periférica e outro na cidade grande e como isso influenciou o meu imaginário. Liguei o fluxo de consciência e busquei trazer a fluidez e despreocupação narrativa que eu leio em Cormac McCarthy e a mágica que eu sinto em García Márquez, mas, acima de tudo, eu tentei escrever aquilo do jeitinhozinho que alguém que eu conheço me contaria.
Costumamos fazer essa pergunta para bandas e artistas. Se vocês pudessem escolher uma música do disco para ser a trilha sonora de um filme, qual música e filme escolheriam e por quê?
Haroldo Bontempo: Quando penso em trilha sonora logo penso em música instrumental né. Acho que a “Última Alguma Coisa”, mas principalmente “O Roubo”, que é uma musica instrumental que já conta uma história né… Pensar um clipe pra ela seria bem legal.
Obrigado pelo tempo em responder as perguntas, deixem uma mensagem para que as pessoas conheçam o som de vocês.
A gente que agradece! Satisfação total! Acho que quem leu ate aqui já conhece ou já tá ouvindo o som, rsrs, se não pode ir lá no Spotify agora, rock moderno, música sincera que só poderia vir de minas!!
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