O estado do Pará tem uma cena musical muito fértil, nos últimos anos ótimas bandas e artistas vem surgindo por lá. É sempre muito bom ver o rock e tantos outros estilos conquistando mais espaços e saindo do eixo São Paulo.
Usar a música para poder falar do cotidiano, refletir sobre os altos e baixos que a vida nos traz e que muitas vezes nos coloca em xeque, é isso o que quer Os Bandoleiros e a Cigana. O trio de grungemo/post-punk, como se auto rotulam, vem do município de Ananindeua e é composto por Diego Di Paula (vocal, guitarra), Tamires Nobre (baixo, vocal) e Ismael Rodrigues (bateria).
O primeiro disco ‘Os Bandoleiros e a Cigana’ foi lançado em 2018, através de um financiamento coletivo no Catarse. As oito composições cruzam com momentos enérgicos do grunge dos anos 90 e melodias cativantes, as letras críticas dialogam com temas sociais e as relações humanas. Foi a partir daí, que a banda conquistou os olhares de festivais da cidade, alguns como Fabrikaos, Garage Sounds Belém e Rock Rio Guamá.
Amanheceu, mais uma luta pra viver
Anticidade – Os Bandoleiros e a Cigana
Quero estar vivo pra poder contar…
Dois anos mais tarde, precisamente em abril de 2020, eles retornam com o lançamento do novo single ‘Anticidade‘, que estará no próximo disco. Na música, exprimem seus sentimentos em meio ao cenário opressor, desigual e sufocante que lidam no cotidiano conturbado de uma cidade, ainda mais quando não se reside nos grandes centros urbanos. Quando o assunto é sonoridade, eles buscam inspiração em gêneros como o grunge, pós-punk e emo.
Batemos um papo com a banda sobre o lançamento do primeiro disco, a cena musical do Pará e os planos para o futuro. Você pode conferir abaixo:
Como surgiu Os Bandoleiros e a Cigana, vocês já se conheciam e faziam parte de outros projetos?
Tami: Eu já conhecia e era fã antes de entrar na banda, que na época era um duo. Fui convidada pra assumir o baixo em 2016 ao montar um clipe para o single “Mais Um Dia”. Foi um período em que o projeto estava se desintegrando, e eu enquanto fã não queria que tudo acabasse. O clipe era uma tentativa de impulsionar e dar visibilidade pra banda, para logo mais fazer uma campanha de crowdfunding pro primeiro disco.
No meio das gravações, o então baterista decidiu abandonar o barco e o Diego se desesperou, queria cancelar tudo. Bem, não lembro exatamente o que eu disse, foi algo assim: “pois agora tu vai dar teu jeito, porque esse clipe vai sair e esse álbum vai sair também porque eu não vou desistir”. Acho que nessa hora ele viu o quanto eu realmente gostava do projeto e decidiu me convidar. O clipe saiu, o crowdfunding deu resultados e o primeiro álbum finalmente veio ao mundo.
Diego: No início quando a bandoleiros foi criada, existia a penas um duo de guitarra e bateria, justamente na semana que a gravação do vídeo clipe ia acontecer o baterista saiu da banda. Ainda sem rumo, eu, Diego, não ia mais continuar com o projeto, mas ainda sim teríamos um vídeo clipe, esse vídeo clipe estava sendo produzido e dirigido pela Tamires Nobre (e os amigos Samuel e Cidade), que na época participava de um coletivo de bandas no qual a bandoleiros fazia parte.
Durante a gravação do clipe conversamos bastante e surgiu na minha cabeça de convida-la… Ela aceitou (pra minha felicidade) , agora só faltava um baterista. Lembrando que a soma que a Tamires trouxe pra banda é inestimável, além de uma musicista excelente é uma gestora sem igual, colocando ideias que se realizaram durante essa caminhada, como os 3 clipes, o financiamento coletivo que teve como objetivo o nosso disco, além de traçar nossa identidade visual.
A história do baterista se repete como em muitas bandas, no caminho tivemos dois ótimos amigos e bateristas que foram o Chicow e o Lucas Armstrong, que deixaram sua marca na história do agora power trio, eis estavamos novamente sem baterista… Até que vários nomes surgiram na nossas reuniões, até que o nome Ismael veio a nossas idéias, chamamos pra conversar e ele gostou muito da ideia, o Ismael é um excelente baterista que faz parte também de outros projetos como o casa de folha e dois na janela, além de ter uma mente musical criativa pra formação dos arranjos. Hoje, com o power trio formado, temos uma harmonia muito boa juntos, amo vcs!
Isma: Eu entrei na banda recentemente, e até onde eu sei a banda já tinha seus alguns anos de atividade. Eu já fazia parte de alguns projetos na cidade, e daí recebi o convite da Tami e do Diego pra tocar com eles e logo logo estávamos fazendo shows juntos. Pouco tempo depois me ofereci pra produzir a banda, o que foi aceito com alegria por eles.
Dois anos depois, quais memórias vocês guardam sobre os processos de composição, gravação e o financiamento que viabilizou o primeiro disco de estúdio?
Tami: O crowdfunding foi antes de tudo uma forma de auto incentivo. É um processo muito intenso no qual você precisa estar preparado para qualquer resultado que vier, pois se somente uma pessoa contribuir você vai ter que honrar com sua palavra mesmo não alcançando o valor esperado. Estávamos assumindo um compromisso público de lançar aquele álbum. No final, 68 pessoas acreditaram na gente e conseguimos metade do que precisávamos pra iniciar o processo; o resto corremos atrás.
Nosso processo criativo sempre foi bastante aberto e colaborativo, estávamos sempre jogando novas ideias e sugestões. Um grande exemplo disso é que muitas das músicas desse álbum já existiam e foram totalmente repaginadas. As músicas criadas “do zero” por nós três foram Anestesia, Retorno e Black Mirror.
Mesmo com as modificações, vendo com um olhar de agora, o álbum não tem uma identidade certeira, uma coesão; é mais uma miscelânea de criações ao longo de anos da existência do projeto, uma colcha de retalhos antigos que precisavam ser materializados e vir ao mundo para dar lugar à novas músicas.
A gravação foi um enorme aprendizado, era nossa primeira vez gravando tantas músicas! Mas ainda bem que tivemos ajuda de pessoas incríveis que nos guiaram pelo processo todo, e muito, MUITO aconselhamento!
Gravamos e mixamos com o Andro Baudelaire, da Abbey Monsters, e ele foi maravilhoso do início ao fim. Deu toda a atenção que o projeto necessitava e inclusive contribuiu criativamente pra algumas músicas. O Camillo Royale também contribuiu bastante em todo o processo. Ficamos muito felizes com o resultado.
Diego: Nossa, dois anos passam rápidos. Bom, o processo começava na minha casa, violão, uma ideia é um celular pra gravar o áudio, era assim que começava, criei muitos arranjos pela metade, sem letra, as vezes letra sem arranjo ( ta tudo guardado no pc) , mas alguns desses tinham cara de música, esses eram levados para os ensaios, onde eram lapidados pela banda inteira, desde da letra até os arranjos.
Mesmo assim, ainda na gravação do disco não tínhamos tanta noção de como agregar outros detalhes nos arranjos que tínhamos, mas isso foi mudando quando começamos a gravar com Andro Baudelaire, músico e produtor.
Com ele aprendemos muito a agregar esses detalhes, além dele ter dado muitas idéias que ficaram lindas nas músicas do disco e que também começamos a levar nos shows. Pra alguns shows maiores começamos a chamar guitarristas pra participar com a gente, um deles foi o Nil Lima, que fez backs no disco e que também escreveu Anestesia.
A nova música ‘Anticidade’ traz muitas questões enfrentadas por quem mora nas grandes cidades e convive diariamente com um apanhado de situações desafiadoras. Como é a relação de vocês com a cidade em que residem?
Tami: Sinto que Belém está cada vez mais se tornando uma verdadeira anticidade, feita para poucos. Somos desencorajados a utilizar os ambientes públicos por conta da insegurança e do abandono; o transporte é sucateado e mal distribuido; estamos sempre enfrentando alagamentos e muitas pessoas perdem tudo em algumas horas de chuva.
Todos são prejudicados, especialmente quem mora na periferia e não tem uma boa condição financeira é mais prejudicado ainda. Estamos perdendo nossos direitos enquanto cidadãos e o orgulho da nossa cidade.
Diego: A gente ama e a gente odeia. Amamos o que ela pode nos oferecer como bosque, áreas abertas, arquitetura e patrimônio Histórico, e principalmente a cultura que emana dela. Mas odiamos como sistematicamente ela nos oprime, como ela é mal gerida e esquecida, fazendo muitas vezes nos sentirmos mal por viver em algo que poderia ser melhor.
Isma: Pra ser sincero tem um pouco de amor e ódio, o que é até normal. As questões abordadas na última música lançada faz parte do nosso cotidiano, dia-a-dia dos nossos, dos que estão próximos, do que é possível avistar da janela de um ônibus.
A cena musical do Pará é rica e ainda precisa ser mais explorada, quais bandas vocês gostam e indicariam para conhecermos?
Tami: Nossa cena musical é tão rica que tem música pra todos os gostos! Se quero ouvir um dream pop, me jogo no trampo do Reiner; se estou afim de uma pegada mais regional, vou de Casa de Folha; se quero viajar um pouco, escuto a psicodelia do Steamy Frogs e da Lótus Áurea; e se tô na vibe do hardcore, é selado que vou escutar BadTrip e Delinquentes!
Diego: Nossa cena musical e gigantesca em todos os ritmos e estilos, é muito bom fazer parte disso. Super indicaria a Dois na janela, banda muito gostosa de se ouvir, com letras que fazem a gente ir junto na emoção do vocalista Pepeco. E a banda Turbo, que a 15 anos sempre agita os shows aqui em Belém, Camillo Royale tem um carisma imenso e contato com todas as outras bandas de rock, e sempre apoiando aqueles que estão começando.
Isma: Sim, ela é muito rica e só vem crescendo cada vez mais. Bom, eu indico meus dois trabalhos, dos quais também tomo a frente e sou integrante como percussionista, baterista e produtor, que são as bandas Casa de Folha e Dois na Janela.
Mesmo com os desafios atuais devido a pandemia, principalmente para as bandas independentes, quais são os planos para o futuro?
Tami: Por enquanto, decidimos não voltar a ensaiar até encontrarmos uma forma segura de fazer isso. Mas ainda temos alguns singles para lançar que estão em fase de mixagem e também estamos fazendo pesquisas musicais e conceituais de inspiração para o segundo álbum.
Diego: Temos ainda dois singles pra lançar, e depois da vacina iremos. Trabalhar em novas músicas para quem sabe no fim de 2021 gravarmos nosso segundo disco. Estamos ansiosos com isso tudo e mais ainda por abraçar nossos amigos, tocar, aglomerar em shows da nossa cidade e subir de novo nos palcos.
Isma: Daqui pra frente, o plano é construir um novo álbum. Entrar em um estúdio, gravar e lançar um álbum cheio, coerente, com músicas novas e tudo que se tem direito.
Escute o debut Os Bandoleiros e a Cigana:
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