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Sara é nome próprio: Sara não tem nome e o Agora

Artista/Banda: Sara Não Tem Nome
Álbum: A Situação
Gênero: Slowcore | Rock Alternativo | Rock Experimental
Ano: 2023
Destaques: Pare / Incomoda / Agora / Parque Industrial / Vazio

Conheci o trabalho da Sara em um grupo de música alternativa do Facebook em meados de 2015. Quando vi ela cantando “Solidão” em um vídeo clipe com seu violão, vagando sozinha pela cidade, quase como se fosse a única pessoa viva em meio aquela metrópole. Isso falou comigo na hora, eu sabia o que ela queria dizer. Depois de 8 anos do seu último álbum, Ômega-III, ela retorna com “A Situação”, que falarei mais a seguir.

Durante o período mais grave da pandemia de Covid-19, Sara permaneceu resistente e consciente de seu papel como artista, mesmo que no Ômega existam algumas citações que possam muito bem serem interpretadas de forma a relatarem trechos do efeito colateral que é se viver em uma sociedade capitalista.

Como os problemas se mostram a todo estante bastando olharmos para rua em uma caminhada num domingo à tarde, ainda era um pouco mais sutil, com mais foco em um tema existencialista, o ‘eu’ em relação ao mundo, em relação aos relacionamentos, em relação a mim mesmo, o que foi feito em “A Situação” é bem mais político.

Durante as lives em seu instagram, ela já mostrava um pouco do que poderia entregar em um futuro álbum,  que além do incrível show acústico que propiciou aos fãs, sempre os preenchia de conteúdo, com reflexões sobre o cenário político na pandemia, a vivência em um país neoliberal que acompanha o abandono ao coletivismo e o apego ao individualismo que tomara conta dos nossos lares e famílias, e a arte como resistência, é claro.

Além de ótimas recomendações de leitura, como Ailton Krenak, que conheci em uma das lives da Sara Não Tem Nome, que aproveito para estender a recomendação por aqui inclusive.

Fica essa nota de admiração.

sara não tem nome

“Pare”, a primeira faixa do disco, já mostra que os tempos são outros, a diferença de começar o álbum com “Dias Difíceis” (primeira faixa do álbum anterior) em um violão melancólico para começar com esse som  cheio de instrumentos de sopro e percussão, como uma marcha carnavalesca/circense, fala muito de como a Sara deve ter mudado desde os últimos 8 anos.

Suas novas influências musicais (palpite meu) já chegam revelando um período diferente de sua vida, em conjunto com um outro modo de expressão visual, pois o clipe musical que ilustra a música mostra o contraste também nesse âmbito, entre Sara perambulando sozinha por Belo Horizonte (em “Solidão”), São Paulo (em “Carne Vermelha”) ou ainda dentro de si mesma (em “Água Viva”, “Dias Difíceis”), para passeando por ai rodeada de gente em um bloquinho.  

O legal é que encaixou muito bem com a voz da Sara Não Tem Nome, ainda tem aquele tom divertido, meio cínico ao falar de coisas pesadas. Com certeza é uma das minhas favoritas do disco, já nasce um hit, depois de ouvir pela primeira vez, fica o dia inteiro na cabeça. Mesmo tratando de um assunto pesado, como a situação do país, te anima fácil. Tem um quê de Francisco, el Hombre, mas com a personalidade mais densa da música da Sara.

Na segunda faixa, “Ponto Final”, Sara retoma um pouco mais o tom de suas músicas mais antigas, com aquele tom sussurrado de sua voz, acompanhado por um lindo instrumento de corda e um de sopro, que me lembra um trombone, mas prefiro não arriscar. A letra fala sobre a gota d’água de algo que está insuportável, dado o contexto, é impossível não pensar em um paralelo com o governo Bolsonaro.

Assim como a maioria do álbum, “Dejà Vú” é cheia de instrumentos de sopro, entregando uma bateria bem marcada com um som dinâmico e crescente. Como o nome da terceira faixa sugere, fala sobre ciclos inacabáveis, a cópia do passado, os erros repetidos…

“Dejà Vú, eu estou aqui de novo…”

sara não tem nome no rebobinados

A quarta faixa, “Incomoda” é uma das que mais marca essa nova fase musical da SaraNão Tem Nome, dá pra perceber bem as novas influências, um MPB  quase (que apesar do antecessor também ter influência, aqui surge mais marcado), com um coro marcante entre as passagens, me remete a alguns trabalhos do Chico Buarque, como os do disco 1978.

Acho bem pertinente pro momento esse tipo de música ser lançada, estarmos saindo de um governo fascista, não acaba com o fascismo de forma nenhuma. Daí a importância de se mexer, se organizar, seja em coletivos, em partidos, daí a importância de se expressar, de se incomodar com a situação.

Uma das mais divertidas do álbum, “Revés, volte 4 Casas”, mostra a facilidade com que Sara tem de transformar o cotidiano, um problema da sociedade, em música. Segundo a PEIC (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor) de 2022, 77,9% das famílias brasileiras está endividada, onde o brasileiro precisa escolher entre comer ou pagar um aluguel, Sara desdobra o dia a dia de perrengues do proletariado em busca da sobrevivência no Brasil neoliberal.

Com um tom mais bossa nova/jazz, vem com um teclado bem agradável acompanhado de uma bateria, destoando propositalmente da voz da Sara Não Tem Nome, que com seu grito cochicho (você sente ela gritando, mas sempre naquele tom de voz mais controlado) passa um sentimento de pânico, de viver com um salário mínimo, de não ter tempo, nem escolha e ainda continuar. 

Assim como alguma das outras músicas presentes no álbum, que foram lançadas ou tocadas ao vivo em alguns outros momentos, primeira vez que ouvi essa música foi em um Elefante Sessions, com uma versão um pouco diferente em 2018, e 5 anos depois, nada mudou na situação do país, dejà vú.

“Elas chegam sem avisar,

Elas vêm pra me perturbar,

Malditas contas pra pagar…

Malditas dividas!!!”

Depois das Lojas Americanas e seus donos ricos darem um calote de mais de 20 bilhões de reais, sendo um terço em dívida para bancos públicos, cai por terra mais uma vez o mito do mercado se autorregulando. Para ajudar no argumento, “Agora”, sexta faixa do disco, fala sobre a ‘mão’ do mercado e o egoísmo escancarado das elites, em plena pandemia global.

A faixa mais pesada do disco, meio pós-punk, com um teclado bem soturno acompanhando a voz de Sara aos sons de gritos de indignação ao fundo, de um homem que clama o “AGORA”.

sara não tem nome - álbum a situação

“Cidadão de Bens”, que não necessita de explicação com seu nome autoexplicativo, retoma os instrumentos de sopro, mas ainda com aquela clássica marca da Sara, que você para pra ouvir sem nunca ter ouvido e sabe de cara que é dela sem ninguém precisar te falar.

Na faixa seguinte, “Parque Industrial”, um grande épico com coros e clamores (como que de protestos), é muito harmoniosa, um lindo dedilhado em conjunto com um violino é introduzido um pouco antes de encerrar a música e é como se uma história fosse contada, bem cinemática.

“Nós”, a mais melancólica do álbum, com seu violino e sua melodia marcante, é uma daquelas músicas que é possível interpretar do individual para o universal, quanto do universal para o individual. Pode estar falando de uma relação entre duas pessoas, quanto de uma relação entre poderes (dado o contexto de ser um álbum político), sobre a queima e o desmatamento e a relação que temos como sociedade com a terra e os povos indígenas, por exemplo, mas fica da interpretação do ouvinte.

“Hoje Não”, décima faixa do disco, uma das mais curtas. A mais densa do disco, é quase como se as coisas estivessem sem gosto, é a sensação que ela passa, de ter acordado em um dia ruim, então chega a se tornar densa a lúgubre. Conforme vai chegando ao final do disco as músicas vão se tornando cada vez mais tristes.

Não sei se foi proposital, mas acho que reflete bem a situação política do país, todos estão cansados, se liga o jornal é uma notícia pior que a outra, se entra nas redes sociais, idem. É o sofrimento de se estar vivo e de ser ter consciência, se estar vivo já é um ato político, ter consciência sobre o que se passa ao redor também se torna um ato de coragem.

“Devastada paisagem, peito vazio

Se me falta coragem, me desfaço em rio…”

                                          – Faixa 11 (Vazio)

O duo feito entre Sara e Bernardo Bauer em “Vazio” é incrível, uma das músicas mais bem feitas do disco, onde tudo entra no momento certo e de forma cadente e harmoniosa, em que os dois ditam o que está acontecendo quase que de forma profética, mística. Aos sons de sinos e um som soturno de fundo, como órgãos no fundo de uma igreja… Uma tristeza pela situação, os coros angelicais que os dois fazem em certo momento da música é arrepiante. Se fechar os olhos você consegue enxergar tudo que é descrito na música.

O disco acaba incerto, com “Volta” é como se fosse uma reflexão para pensar, “ok, depois de tanto estrago, sobrevivemos! Mas e agora?” é incerto… Não sabemos o que virá, o estrago está feito e o que perdemos não volta…

A sensação de ouvir um disco da Sara é sempre aconchegante, passei tantos e tantos anos ouvindo Ômega não sei quantas vezes, as vezes sinto que conheço ela, pois ela esteve comigo em diversos momentos da minha vida. Para quem nunca ouviu algo de Sara não tem nome, acho que posso dizer que o melhor disco para começar é, com certeza, “A Situação” . Tendo em vista que ele traz muito das raízes de como era o som da Sara e inclui um monte de coisa nova que simplesmente faz ela ser quem é.

Ela disse em uma entrevista, de que seu nome ou de onde você veio não é tão importante quanto o trabalho que você entrega (por isso o nome “Sara não tem nome”), ainda assim, Sara é nome próprio, pois já marcou seu nome na história artística de Belo Horizonte (contagem, de onde ela veio) e do Brasil.

Sara é nome próprio porque é autêntica, única e, seja através das músicas, dos esquetes engraçados no seu canal do youtube ou até mesmo seus outros trabalhos artísticos não musicais, tudo que ela faz te desperta um sentimento, uma dúvida, te faz pensar, te faz calar, te inspira e principalmente te entrega algo cheio de verdade.

Sara é nome próprio e em “A Situação” de 2023, não é diferente!

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