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O espectro de Jeff Buckley ainda ecoa

Artista/Banda: Jeff Buckley
Álbum: Grace
Gênero: Rock Alternativo
Ano: 1994
Média: 10/10
Destaques: Grace / So Real / Hallelujah / Dream Brother

Autor convidado: Gabriel Marinho

Quando aceitei o convite da Taty pensei em algumas coisas: escrevi poucas resenhas na minha vida e nenhuma viu a luz do dia. Ainda sim, partilho da paixão por música e quis escrever algumas poucas palavras sobre algum disco. Não poderia escrever de outro artista se não fosse Jeff Buckley. Um dos caras mais sinceros e deslembrados da música alternativa, que assim como o shoegaze, sua música também se perdeu nos anos 90 ofuscado pelo grunge.

Curiosamente sua história (póstuma ou não) se cruzou com o dream-pop e até o trip-hop, dois outros gêneros que quase sempre sobreviveram no underground, contudo isso eu conto outro dia.

Todas as músicas e letras de “Grace”, seu primeiro e único álbum lançado em vida em 1994, são repletas de mistério, nuances de tristeza, raiva, amor e despedida. Primeiramente, logo na primeira faixa, sua voz entra como um arrepio, um calafrio, uma pontada na espinha. Um pequeno acorde acompanha a angustia da ausência, bem como um um grunhido, ela vai escalando e Jeff substitui um vício por outro:

“If only you’d come back to me
If you laid at my side
Wouldn’t need no mojo pin
To keep me satisfied”

Mais a frente no álbum, o tema volta a se repetir com “Lilac Wine”, substituir amores por dores, um vício por outro vício. Assim como tudo é de livre interpretação e cheio de subjetividade na obra de Jeff,  um vício pode ser desde uma garrafa de vinho até uma música no repeat. O mesmo era fã de Nina Simone, que também fez uma versão de “Lilac Wine” que ficou bem famosa na época, música originalmente escrita por James Shelton.

Jeff Buckley

A segunda faixa é a que nomeia o disco, “Grace” mantém o tom místico que vai seguir até o final das 10 músicas. Mostrando sua diversidade vocal e a facilidade em controlar sua potência sonora, os instrumentais acompanham a escalada gritante do refrão “Wait in the fire, é um soco no estomago.

Jeff fala sobre reconhecer sua própria mortalidade. Se jogar em uma relação mesmo que ela esteja fadada ao fracasso, mesmo que ela esteja fadada ao fim, mesmo que a vida já venha com esse “clicking” de que tudo é passageiro e não têm porque ter medo no fim das contas.

Todavia, novamente, tudo fica aberto para interpretação. De uma forma quase que premonitória, Jeff diz: “Well it’s my time coming, i’m not afraid to die”, o mesmo morreria 3 anos após o lançamento do disco.

Em seguida, “Last Goodbye” começa com um slide soturno de guitarra, é como se você sentisse a música tremer nos seus ouvidos. A bateria acompanha, Jeff entra com um coro, é um coro chorado. Aos fundos é possível ouvir os arranjos de corda, o violino acompanha a despedida “it’s over, it’s over…”.

A música fala sobre o fim de um relacionamento, é quase como um hino, a influência da música gospel americana nas composições de Jeff se mostram em diversas faixas do álbum. Com perdão do trocadilho, é realmente algo divino de se ouvir.

A próxima faixa é a versão de Jeff para “Lilac Wine”, a ordem da faixa e a letra fazem com que a música soe como um remorso, um espinho encravado, é uma sombra na parede acompanhando ele ao longo das faixas:

“Listen to me, why is everything so hazy?
Isn’t that she, or am I just going crazy, dear?
Lilac wine, I feel unready for my love”

A música segue quase que inteira apenas com Jeff e alguns acordes de guitarra simples. E a bateria leve, quase imperceptível acompanha as passagens.

“So real”, a quinta faixa do disco, junto com ”Grace”, é um dos hits pesados do álbum. Com um riff impossível de esquecer vai escalando junto com a voz tremula de Jeff, que aos gritos destrói toda a imagem criada ao longo da música. Em outras palavras, é como se estivesse destruindo uma ilusão criada por ele mesmo, é a trilha sonora de um pesadelo que poderia muito bem se entrelaçar com aspectos de sua vida real. E muito disso se materializa visualmente no clipe.

Em seguida, a versão de Jeff para “Hallelujah” de Leonard Cohen, com certeza é uma das músicas que deu grande destaque e certo reconhecimento para ele (porém convenhamos não foi nem de longe o suficiente). Contudo é curioso pensar o que teria acontecido se Leonard Cohen não tivesse se trancado naquele quarto de hotel para compô-la.

É uma versão bonita, com uma carga emocional muito forte, principalmente em seus minutos finais. É interessante Jeff Buckley escolher essa música para gravar e ter composto “Eternal Life” (nona faixa) para o mesmo disco, provavelmente há uma influência. No trecho de Hallelujah Leonard Cohen diz:

“Maybe there’s a God above
But all I’ve ever learned from love
Was how to shoot somebody who outdrew you”

Já em “Eternal Life”, Jeff Buckley questiona em tom raivoso:

“What is love?
Where is happiness?
What is a life?
Where is peace?
When will I find the strength to bring me release? / Tell me where is the love in what your prophet has said? “

A mais pesada do disco, nessa faixa é quase como uma catarse pelo que aparentemente estava entalado na garganta dele: “Well I’ve got a message for you and your twisted hope”. Eu diria que é um grito contra a hipocrisia, das igrejas, das religiões, ainda assim, como novamente tudo é subjetivo, exala dualidade.

“Lover, You Should’ve Come Over” é a sétima faixa do disco. Contrariando a ideia de crítica à igreja que mencionei anteriormente, nessa faixa e na seguinte “Corpus Christi Carol”, Jeff deixa mais claro ainda sua influência Gospel.

Lover começa com um órgão de igreja, é cheia de momentos bonitos, com típicos back vocais de coral de igreja. E isso se torna algo singelo, quase inocente eu diria. Aqui ela deixa de lado um pouco aquele “caos” mostrado nas outras faixas, aquela raiva, é uma tristeza contida, é uma ode ao amor que não vai voltar. Entretanto, lá no fundo se espera que ele ainda volte, e novamente, segue a estrutura escalar sempre leve, leve e com picos durante o refrão.

“Corpus Christi Carol”, terceira releitura do disco, originalmente escrita por Benjamin Britten, mais uma cheia de interpretações e com muitos significados. Porém, aqui vou me resguardar apenas no sentimento de paz que ela deixa.

A última faixa do disco, “Dream Brother”, com certeza finaliza de forma soturna e misteriosa. Como um segredo, como um sussurro, um enigma. Ela começa com um riff que martela na sua cabeça durante toda a música, dá a sensação de que Jeff recita as palavras, quase como se fossem feitiços.

A melodia penetra de uma forma mágica, seguindo o padrão do álbum ela escala até quase o final da música quase. Somos guiados pelo eco de sua voz. A sensação é de um clipe estar sendo montado em sua cabeça enquanto ela toca.

Não é preciso muito esforço para que tudo se materialize, cada sentimento que ela passa soa tão real quanto poderia ser. A letra foi escrita para um amigo de Jeff e é cheia de referências sobre o pai (Tim Buckley). Não obstante ela é viva, pode ser isso e muito mais dependendo de quem estiver ouvindo. Sua obra é subjetiva e universal ao mesmo tempo, basta estar vivo para sentir, basta ouvir para estar vivo…

Grace é soturno, raivoso, triste, sincero, sonhador e mais do que nunca: vivo, muito vivo!

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