Sylvaine: emoções guiadas pelo celestial e o caótico

Sylvaine é a trilha sonora de paisagens geladas e desoladoras, um som que transita entre o celestial e o caótico, onde transluzem sentimentos profundos e também a busca por eles. A mente por trás do projeto é a multi-instrumentista Kathrine Shepard, nascida em San Diego, Califórnia, a cidade de seu pai, mas é em Oslo, na Noruega, a terra natal de sua mãe e também em Paris que ela vive.

Photo by Gillian Pieteraerens

A música sempre foi algo fundamental na vida de Kathrine desde muito jovem, e foi dessa forma que ela buscou se expressar e também se encontrar em meio a sentimentos conflitantes. Foi em 2013, na cidade de Oslo, que surgiu a ideia de criar um projeto pessoal chamado Sylvaine. A proposta era fazer um som influenciado por gêneros como shoegaze, post-rock e black metal.

Embora alguns classifiquem sua música como post-black metal, o mais justo seria sugerir algo como um metal atmosférico, visto que existem diversos elementos incorporados. Aqui nós já falamos dela anteriormente nas indicações de blackgaze, nicho onde ela mais se destaca e é frequentemente lembrada em indicações do gênero.

Muito provável que você já ouviu falar do termo ‘one man band’ (banda de um homem só), que nada mais é do que um único músico responsável por tocar todos os instrumentos em uma banda. Aqui temos uma ‘one woman band’ (banda de uma mulher só). É Sylvaine que toca todos os instrumentos nas músicas, ao vivo ela conta com o suporte de um grupo de músicos, fazendo com que shows e turnê se tornem possíveis.

Sylvaine 2013 - silent chamber noisy heart
From Silent Chamber, Noisy Heart session. Photo by Daria Endresen

O primeiro disco ‘Silent Chamber, Noisy Heart‘ foi lançado em 2013, e tem 11 músicas, inclusive, traz uma bela foto na capa, certamente influenciada pela pintura Ophelia de John Everett Millais.

Nesse primeiro álbum, ela explora timidamente seu gutural poderoso, um álbum carregado de sentimentos comuns ao ultrarromantismo (período também conhecido como segunda geração do romantismo), e também ao spleen de Baudelaire, o fundador da poesia moderna. Um álbum subestimado, mas que marca presença no nosso coração e desperta sentimentos intensos.

The world outside is laid to rest
Overtaken by darkness
Loneliness protrudes within
The sonnet soon to begin

Trecho da música Silent Chamber, Noisy Heart

Em Wistful (2016), seu segundo disco, notamos uma direção diferente, um equilíbrio entre momentos pesados a outros mais melódicos, gerando aquele sentimento de calma antes da tempestade.

Essa bela fusão cheia de paisagens sonoras incríveis traz uma forte identidade ao som, Sylvaine alterna seus vocais em uma dualidade entre algo mais sutil e bonito a outros mais agressivos e selvagens, uma mistura que provoca um clima profundo, real e que dialoga bem com as nossas mudanças e percepções sobre a vida.

Assim como essa dualidade e ondas de emoções que por vezes nos sufocam, são brilhantemente expressadas por Sylvaine nesse álbum.

Sylvaine, capa disco Atoms Aligned, Coming Undone de 2018
Atoms Aligned, Coming Undone (2018)

Atoms Aligned, Coming Undone (2018), o terceiro disco, mantém a essência de Sylvaine, que é compartilhar seus sentimentos referentes a essa dualidade de dois mundos, o belo e o caótico, o conflito interno e externo. Porém de uma maneira mais dark uma vez que encontrou seu nicho, decidiu explorar aspectos que a ajudaram a se consolidar no cenário do metal. Esse álbum é catártico, explora extremos como nunca antes visto.

Mørklagt é uma das músicas mais brilhantes e emocionalmente significativas pra mim. Mesmo com suas letras em norueguês, é possível compreender tudo que ela expressa mesmo sem saber qualquer palavra no idioma.

Os sentimentos são tão intensos que você se sente arrebatado, atingido de surpresa por um poder extremamente forte, preenchido pela bateria, e levitando com a parede de som e os vocais magníficos. É um sentimento tão intenso e poderoso que te transporta para outro mundo.

O lançamento mais recente é o EP Time Without End (2020), em parceria com Unreqvited um artista que também faz blackgaze/atmospheric black metal de primeiríssima qualidade. ´É claro que a parceria desses dois artistas não poderia resultar em um EP que fosse algo além de incrível. Carregado de melancolia e uma tremenda sutileza, uma tristeza acolhedora. O vocal de Sylvaine é tão etéreo junto a piano quase nos faz flutuar em doces melodias, nos abraça e nos guia nesse caminho tortuoso.

sylvaine
Sylvaine portair by Andy Julia

Sylvaine é uma artista incrível, dona de uma voz poderosa, multi instrumentista habilidosa, fiel a suas influências e a sua verdade, inspirada por artistas talentosos. Sua presença de palco é inspiradora, por vezes a vejo performando e tenho certeza de que ela chega a literalmente brilhar, ela é um exemplo de talento para mim.

Uma das artistas que eu mais admiro e se pudesse, almejaria ser 1% do que ela é. Eu já a conhecia e acompanhava desde o lançamento de seu primeiro álbum, mas comecei a admirá-la mais e mais ao longo dos últimos dois anos.

Além de uma artista excelente, super carinhosa e atenciosa com seus fãs, ela também é um uma pessoa admirável, que me conquistou com sua vulnerabilidade e honestidade.

A ideia de ver um artista como um ser perfeito, onde a perfeição está justamente no fato de ser uma pessoa imperfeita, de encontrar obstáculos e de tentar viver a vida da maneira como pode, assim como nós. Toda beleza de suas músicas que ouvimos hoje é fruto de um trabalho duro, que deveria ser muito mais recompensado e reconhecido.

O artista ao se expressar, permite que nós nos encontremos, sempre que ouço Sylvaine, começo um processo de autoconhecimento, de olhar para dentro e de entender o que eu estou sentindo, interpreto da minha maneira o que ela escreve. Por vezes me faltam palavras para descrever o impacto que a arte provoca em mim, mas as músicas de Sylvaine conseguem expressar belamente todo esse sentimento.

Já escrevi muitas mensagens de incentivo a Kathrine, mas sinto que isso não estaria completo sem essa matéria e a esperança de que mais pessoas possam vê-la assim como eu a vejo e que passem a admirar seu trabalho.

Entrevista com Sylvaine:

Qual memória você traz do seu primeiro contato com a música?

Sylviane: Eu cresci em uma família que era muito ligada em música, eu não consigo lembrar de uma época em que a música não era uma parte da minha vida. Meu pai foi um baterista profissional por mais de 30 anos, enquanto minha mãe trabalhava na parte dos negócios, cuidando das gravadoras etc, então a música era uma parte normal da minha infância.

Em relação as minhas performances musicais, minha primeira memória é de eu estar em um balanço durante meus primeiros anos na escola, provavelmente com 6 ou 7 anos, cantando We Are One do Rei Leão 2 para as outras crianças hahaha!

Aquele filme havia acabado de estrear nos cinemas e todo mundo só falava sobre isso, é claro. Eu acho que não era tão tímida antigamente… De outra modo, eu tinha alguns artistas pelos quais era completamente obcecada quando era criança, até o ponto onde eu apenas me sentava a frente do rádio, com fones de ouvido, escutando seus discos repetidamente, enquanto olhava os encartes dos CDS, vendo as letras e cantando junto.

Acho que não havia como esconder minha personalidade obsessiva, mesmo naquela idade, haha!

Quando você decidiu fundar o Sylvaine, você já tinha em mente como gostaria que soasse e qual seria a identidade visual?

Absolutamente. Eu queria explorar o som que criava para Sylvaine há anos, fiquei muito fascinada por essa mistura de forças opostas, com o pesado e o leve, o áspero e o belo lado a lado.

Nos projetos que eu estava tocando antes de Sylvaine, nunca foi realmente possível entrar nessa veia, então quando eu finalmente tomei a iniciativa de criar meu próprio projeto solo, não tive dúvidas sobre o que e como eu queria me expressar. Foi a maneira mais adequada de refletir adequadamente as emoções que eu queria transmitir com o projeto.

Quanto ao lado visual, também tive uma visão clara do que queria apresentar, para complementar a música. As artes visuais sempre foram uma grande inspiração para mim, então eu já tinha uma espécie de identidade visual em mente.

Desde então, obviamente, evoluiu, à medida que continuo crescendo como ser humano, mas acho que o cerne do projeto sempre ficará mais ou menos intacto.

Hoje você vive em Oslo/Paris, você acha que a cidade ajudou a definir a sua música?

Ambos os lugares definitivamente me inspiraram a escrever, de maneiras diferentes e por razões diferentes. Se falarmos puramente sobre som, acho que a Noruega definitivamente deu à minha música esse toque frio / glacial, pelo menos às vezes.

Suponho que seja devido à atmosfera e natureza com que cresci lá e quão importante isso foi para o meu desenvolvimento pessoal.

Considerando que a música é um meio catártico para mim, um diário de áudio, por assim dizer, minhas principais fontes de inspiração vêm de dentro; emoções, impressões, lutas, saudade, dor… Tudo e nada, apenas processando todos os aspectos de estar viva nesta experiência humana.

Dos seus três discos lançados, houve algum processo que foi mais prazeroso ou diferente?

Essa é uma pergunta interessante! O processo de criação de todos os 3 álbuns me parece tão diferente, e todos contêm momentos bons e mais desafiadores. De certa forma, o processo mais especial foi para o meu primeiro álbum “Silent Chamber, Noisy Heart”, simplesmente porque eu nunca tinha feito nada parecido antes e nem mesmo disse às pessoas que estava fazendo um álbum, para o caso de não dar certo.

Gravei absolutamente tudo sozinha, não tendo muita experiência em estúdio antes disso, mas apenas fazendo pesquisas para saber qual equipamento usar para todos os instrumentos, como configurar tudo, quais pré-amplificadores usar para passar os sinais etc.

Foi meio louco quando eu olho para trás, hahah…. Mas todo esse processo me ensinou MUITO e me ajudou a crescer muito também. Eu valorizo aqueles dias, passei até 13 horas no estúdio, sozinha ou às vezes com meu pai, completamente no meu próprio mundo. Mesmo que o álbum definitivamente soe um pouco como uma mistura de coisas novas e antigas (porque realmente era), ele terá para sempre um lugar especial no meu coração.

Foram os primeiros passos que ousei dar por conta própria. Metade de “Wistful” foi criada da mesma maneira, e então a outra metade foi minha primeira experiência trabalhando com outra pessoa para criar minha música muito pessoal. Isso também foi um grande passo e trouxe uma dimensão totalmente diferente para o som.

Em termos de gravação / mixagem / masterização, a experiência mais confortável foi definitivamente para meu último álbum “Atoms Aligned, Coming Undone”, já que trabalhar com Benoît Roux no Drudenhaus Studio foi simplesmente perfeito.

Ele sabia exatamente o que era necessário para o registro. Não só a visão musical estava muito alinhada, mas o aspecto humano era tão, tão bom também. Benoît é uma pessoa incrível e muito talentoso em seu ofício. Para a composição, todos os 3 álbuns tiveram processos muito diferentes.

Mais uma vez; muitas boas lembranças, mas também muitos momentos desafiadores, principalmente devido à minha própria dúvida e falta de autoconfiança. Eu sempre cheguei lá no final, e me senti orgulhosa quando chegou a hora do lançamento.

Se você pudesse escolher um dos seus três discos para ser a trilha sonora de algum filme, qual seria o disco e o filme escolhidos e por quê?

Syl: Oh, eu adoro essa pergunta! Ter minha música usada como trilha sonora em um filme ou programa de TV é, na verdade, um sonho de uma vida inteira.

Como já mencionei, sou uma pessoa muito inspirada visualmente, então tendo a ver imagens em minha mente quando ouço música em geral.

Não tenho certeza se poderia escolher um álbum, ou mesmo apenas um filme, mas teria que ser algo que tivesse um tema espiritual, espaço sideral ou talvez até algum tipo de anime, sendo tão apaixonada pela arte japonesa e cultura.

Eu acho que escolheria “Atoms Aligned, Coming Undone” devido à sua diversidade, e combiná-lo com um filme como “Arrival”, “Contact”, “The Lovely Bones” ou até mesmo algo mais realista, mais de um estudo complexo de personagens como “Lost In Translation”, “Dead Poets Society” ou “American Beauty”.

Ou mesmo algo como “Let The Right One In”. É difícil imaginar minha própria música em uma história que já foi escrita assim, mas tudo isso teve um grande impacto em mim e pode se conectar às emoções encontradas na minha música também.

Hoje em dia as plataformas digitais estão dominando a forma como escutamos música, qual seu meio favorito de consumir música?

Eu entendo perfeitamente a conveniência que as plataformas de streaming oferecem aos ouvintes e agradeço muito a todos que ouvem minha música nelas.

Dito isso, eu absolutamente não concordo com os termos terríveis que eles oferecem aos artistas em quase todas as plataformas de streaming. Tenho certeza de que a maioria das pessoas ficaria bastante chocada e enojada se soubesse o quão pouco os artistas ganham.

Pelo menos eu espero que sim. Simplesmente não está certo, e eu me esforço para compreender por que os artistas são os perdedores para sempre no mundo da música, quando todo esse negócio nem existiria sem nós. E sempre foi assim, infelizmente.

Então, eu realmente não uso plataformas de streaming, exceto para o YouTube às vezes. Esse seria o meu principal local de consumo de música online, além de realmente comprar cópias físicas ou digitais de música em locais como Bandcamp ou lojas de merchandise oficial.

Você pode conferir todo o merchandising e as músicas da Sylvaine no bandcamp

O que você tem feito durante esse tempo de pandemia e como você procura se manter saudável em relação a isso?

Primeiramente eu tenho que dizer que apesar de todas as coisas ruins que aconteceram no ano passado, ainda me sinto extremamente sortuda e privilegiada por ter conseguido continuar trabalhando, me manter saudável e ter muitos projetos inspiradores para fazer o tempo passar mais rápido do que jamais imaginei.

Quando a pandemia atingiu com força total em março de 2020, rapidamente ficou claro que o mundo da música fecharia e permaneceria assim por um período indefinido, cancelando todos os nossos shows e planos, e com isso quebrando alguns sonhos (primeiro show em minha cidade natal, Oslo, tocar no Roadburn, fazendo uma pequena turnê pelo Reino Unido) ao longo do caminho.

Decidi tentar criar tantas oportunidades para mim quanto fosse possível, mesmo que as coisas parecessem extremamente sombrias, ao mesmo tempo que queria espalhar alguma luz e energia positiva para as pessoas ao meu redor.

Eu precisava fazer algo positivo com esse tempo, para que pudesse parar no último dia de 2020 e dizer para mim mesma; “Foi um ano bom, levando tudo em consideração”. Então eu comecei um negócio online de instrutora vocal, obtive minha certificação oficial de professora de ioga e abri meu próprio negócio de ioga, e terminei meu quarto álbum. Tantas outras coisas aconteceram em 2020 além disso, muitas para serem mencionadas aqui, mas essas 4 coisas eram todas as que eu realmente queria realizar durante esta longa “pausa”. E eu sou muito grata por ter feito tudo isso.

Em termos de me manter fisicamente e mentalmente saudável, ter tantos projetos significativos e emocionantes para trabalhar, realmente me manteve focada, além de todas as pessoas amorosas e maravilhosas que estou cercada.

O mesmo aconteceu com a ioga, pranayama e meditação. Isso me ajudou a ficar o mais fundamentada que pude e realmente focar no amor-próprio, aceitação, crescimento pessoal e gratidão. Sem tudo isso, quem sabe como me sentiria hoje…. Por isso, sinto-me grata pelo que 2020 me ensinou e por tudo o que aconteceu. Agora, espero tempos melhores, eventualmente, venham para todos.

Sylvaine

Mesmo sabendo que as vezes é difícil falar do futuro, o que você espera realizar nos próximos anos, lançar mais discos, fazer mais shows ou talvez tentar um projeto diferente?

Meu quarto álbum está pronto e atualmente estou me preparando para voltar ao estúdio para gravá-lo. O covid já adiou a data de início algumas vezes, então vamos ver se conseguiremos cumprir nosso novo cronograma, haha ​​… Esse álbum deve ser lançado durante a última metade deste ano, então dedos cruzados ainda seja possível mesmo com a sessão adiada.

Estou muito animada com este álbum, mal posso esperar para compartilhá-lo com vocês eventualmente! De outra maneira, eu literalmente não posso esperar para voltar ao palco. Acho que todos os artistas sentem muita falta disso, e não sou exceção.

Assim que for algo que possa ser feito de forma segura, gostaria de tocar o máximo possível, em tantos lugares quanto for possível, haha! Temos alguns planos para 2021, mas não estou muito esperançoso agora. Veremos o que acontece!

De qualquer forma, 2021 será principalmente sobre o meu quarto álbum e todas as partes e peças que vêm com o lançamento dele. Eu também tenho várias apresentações especiais sendo lançadas este ano, que terei o maior prazer em compartilhar quando chegar a hora certa. Além disso, veremos o que o futuro reserva!

Muito obrigado pela sua música e pelo tempo em conversar com a gente, deixe uma mensagem para seus fãs e também para que conheçam sua música.

Muito obrigada pela oportunidade! Foi um prazer absoluto! Para quem está lendo esta entrevista; Agradeço muito o seu gentil apoio à minha música.

Eu não poderia fazer nada disso sem vocês. Por favor, fiquem seguros e continuem a cuidar muito bem de vocês mesmos e de seus entes queridos. Sei que parece que essa coisa está demorando uma eternidade, mas sei que tempos melhores aguardam a todos nós, mais cedo ou mais tarde.

Só temos que continuar e permanecer nos apoiando uns aos outros enquanto isso. Eu realmente espero estar de volta ao belo Brasil um dia, quando tudo isso estiver sob controle!

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