Artista/Banda: André Prando
Álbum: Estranho Sutil
Gênero: Rock Alternativo
Ano: 2015
Média: 10/10
Destaques: Inverso ano luz / Linha torta / Vestido cor maçã
por: Gabriel Marinho
André Prando é um dos mais autênticos e inovadores artistas brasileiros de nossa década, e como a maior parte dos músicos do nosso país ainda não teve o total reconhecimento merecido. Ainda que sob o underground, é fácil notar a gama de fãs fiéis que obteve ao longo de sua “recente” carreira, já em 2015, com seu primeiro álbum, Estranho Sútil (lançado um ano depois do ep “vão”), já era possível perceber que ele era um dos grandes.
Tive a chance de ver um show do André Prando em São Paulo em 2016 e a sensação e energia que ele emanava música após música é quase indescritível, quanta alma, quanta verdade… Nesse show ele cantou em sua maioria o repertório do disco de 2015, é dele que falarei um pouco hoje.
Como grande parte do álbum, a primeira faixa – Inverso Ano Luz – é toda descritiva e mística, estabelece o sentimento e situação que o eu lírico se encontra, mas deixa alguns pontos para interpretação de quem escuta, é poético, melancólico e ainda assim meio esperançoso.
“Hoje o dia não amanheceu porque eu não dormi,
Eu não adormeço mais…
Mas tá tudo bem.
Boa noite, bem!
Boa noite, bem!”
É difícil descrever o trabalho sonoro do álbum, da aquela sensação de que você já ouviu esse tipo de música (algumas influências que conheço por exemplo, ficam claras no trabalho do André Prando), mas não sabe exatamente o que. A música segue com uma bateria marcada que acompanha um riff bem marcante, daqueles que se você ouvisse sem a letra, saberia muito bem qual a música é, aquelas de começo de show; no primeiro acorde você já abre o sorriso e vem a letra em mente?!.
Os minutos finais da música ganham um pouco de peso, um grito em suplica do André guiam para o término; com um outro som vocalizado feito em acompanhamento (tchuru tchuru tchuru), que me lembra o som da abertura do desenho “Doug” rs.
“Ah, eu vi de lá
Lá do alto
Pó, poeira eu sou”
A segunda faixa, “Amiga Vagabunda”, é uma das outras camadas que compõe o disco, essa é a mais animada de longe, quantas vezes já me peguei cantarolando essa música na rua, chega soa nostálgica, mas obviamente já é algo mais da minha experiência.
A letra é quase metalinguística, André Prando vai descrevendo a forma com que os outros (a sociedade) o descreve e descrevem as pessoas (os rótulos, as percepções por senso comum, os preconceitos), em seguida, quase sem perceber, ele mesmo descreve a melhor amiga:
“Me ensinaram que eu sou um vagabundo
Porque meu pé tem marca de chinelo
E eu sento no chão
E porque eu fumo
E tenho amigos que esqueço o nome”
–
“A minha melhor amiga é vagabunda
Porque beija moças e rapazes
Trabalha metade do dia
Briga e faz sexo como as pazes”
Sonoramente falando essa música mostra uma influencia forte de Raul seixas, principalmente nos minutos finais na forma de cantar e em alguns momentos até o próprio timbre do André, mas claro, sempre de uma forma que mantem a originalidade e a personalidade do mesmo.
O riff que acompanha a música é bem dançante junto com a bateria, é muito artístico (seja lá o que isso queira dizer), é quase circense. E ao final, como todo o trabalho envolvendo o André, a letra finaliza de forma a tecer uma critica perfeita sob o que consideramos um estio de vida “correto” a ser levado:
“Se eu não passo oito horas sentado numa cadeira
Atrás de um balcão fazendo todo santo dia a mesma coisa
Sem exercer meu direito como uma criatura criadora
eu sou vagabundo”
“Linha Torta”, a terceira faixa do disco, é de longe a minha favorita. Ela começa e termina de forma sexy e triste, é um suspiro, um gemido em uma sexta-feira chuvosa.
Aqui podemos perceber a versatilidade vocal do André Prando, a forma com que ele canta de forma firme e forte em cada passagem, e no refrão muda para um vocal fino e suave, é incrível e carrega um sentimento fortíssimo; e as nuances de cada riff ao longo da música ajudam a atenuar isso, de forma leve, soturna e muito, muito profunda:
“Você invadiu minha residência sem limpar o pé
Deixou meu quarto sujo, bagunçado e até
Me fez tirar a roupa do lugar”
(1° estrofe)
–
“Os ponteiros passaram e você não passou
E a chuva cai lá fora, a chuva cai lá fora…”
(1° verso)
A estrutura sonora e letra da quarta faixa, “Circo Dos Palhaços Dixavadamente Imorais”, é bem inteligente e critica. Mais uma daquelas animadas do disco, e com um tom bem sério; na época em que estamos (e já faz um bom tempo que estamos nessa época), de que basta pensamento positivo que os problemas somem, André Prando usa essa temática para mostrar as dificuldades do dia a dia do proletário urbano e que ainda assim deve sorrir e fingir que está tudo bem, o que inclusive, me lembrou um bom texto da psicóloga Jô Alvim, ” A obrigação de ser feliz nos entristece”, fica a dica de leitura.
Seguindo essa premissa, a música segue animada com André quase que falando consigo mesmo, dizendo “sorria mesmo que…”, ela segue com um certo gingado, meio funkeada, dançante.
Em certo momento da música, em um estalo, uma tomada de consciência vem sobre ele, o eu lírico percebe o quão tolo é tudo aquilo, e a música acompanha essa reflexão mudando também, e em seguida indo por um som quase Reggae, quase Ska, mesmo sem ter visto André Prando falar dessa influência, me lembra um pouco a fase do “Preço curto…Prazo Longo” do Charlie Brown Jr.
Mais uma das baladas, com uma bateria marcada e um riff bem marcante, e um solo de guitarra bem reflexivo. A música fala sobre amizade, a valorização desse momento importante e as vezes passageiro em nossas vidas, parafraseando Renato Russo: “Era assim todo dia de tarde, a descoberta da amizade”, esse dia de tarde é “O Brother”, quinta faixa do disco.
(André Prando entrevista André Prando)
A sexta faixa, “Alto lá”, é toda no violão, e André divaga sobre a vida aos cantos, cochichos, palmas e assovios. Ela é bem gostosinha de ouvir, leve, e por algum motivo me lembra aquele som inocente, um pouco melancólico e curioso do Yoñlu.
“Devaneio”, a sétima faixa do disco, é a mais diferente e psicodélica; como um surto, uma trip pra dentro de si, com um efeito “rebobinado”, André nos leva a revisitar momentos e fases diferentes da vida, tanto em letra como em clipe. É uma música pesada, cheia de simbolismos, com uma bateria forte e marcada, soa como uma trilha sonora.
A oitava faixa do disco, “choro plebeu”, seguindo a estrutura das outras músicas do álbum, tenta seguir sonoramente o que é ditado pela letra, segue o escrito com batuques de samba entre um verso e outro, uma música cheia de gingado e sentidos, muitas metáforas, e em certos momentos soando quase como uma marchinha. André consegue juntar tudo isso e entregar uma das melhores músicas do álbum, deixando bem sua personalidade registrada no disco.
“Depois que a tempestade se foi
Foi que eu pude enxergar
Que o meu canto é vagabundo
Nunca vi ninguém dançar
Desconheço o samba
Mas meus pés inquietos choram
E o meu choro, penumbra
Meio incerto, azul aurora”
“Vestido cor maçã”, a nona faixa do disco, é toda filosófica, introspectiva, existencialista.
Segue a batida sexy que foi estabelecida em “linha torta”, um belo dedilhado entre os versos, que vai crescendo e alternando nas estrofes, um riff marcante, bem boêmio, bem nostálgico. Escrita por Augusto Debbané, que entra no meio da música fazendo um lindo vocal que cria um contraponto perfeito com o de André Prando, até se juntarem em coro mais pra frente da canção.
“Tento andar descalço
Nas calçadas onde passo
Tem a cor da manhã
Piso numa poça
Passo perto de uma moça
De vestido cor maçã”
A última faixa do disco, “última esperança”, música de Sérgio Sampaio, uma de suas influências, termina o disco de forma perfeita: ao mesmo tempo que mostra suas inspirações, marca fortemente sua originalidade.
A estrutura sonora da música segue bastante os moldes de “choro plebeu” e “amiga vagabunda”, com os coros e as mudanças vocais de André ao longo da faixa.
“Estranho Sutil” é um disco marcante, que já nasceu um clássico; é divertido, sexy, melancólico, reflexivo, alucinado, e mais um pouco.
Com temas que falam sobre passado, amizades, amores, aceitação e cotidiano; André Prando consegue fazer um compilado de sentimentos e entrega algo artístico, familiar e distinto ao mesmo tempo.