Em Setembro e Outubro tive o prazer de comparecer a três shows dos artistas brasileiros que eu mais admiro dentro da MPB. Flávio Venturini e Adriana Calcanhotto pela primeira vez e Lô Borges pela segunda vez (já o vi em alguma Virada Cultural da vida).
Só que o post hoje é um pouco diferente, eu não pretendo apenas resenhar sobre esses shows, eu gostaria também de falar sobre o papel político dentro da música devido aos acontecimentos recentes envolvendo Roger Waters e sobre o momento nefasto que nos assombra durante essas eleições.
Primeiramente eu vou tentar começar leve, falando apenas das coisas boas que eu presenciei, depois vou expressar minha opinião.
Sabemos que a maioria dos leitores cativos do blog são interessados em shoegaze e/ou outros estilos de música alternativa. Mas eu acho que cabe falarmos de todo tipo de música que gostamos, no meu caso, vou falar de um grande amor meu, que me acompanha desde que nasci, a MPB.
Flávio Venturini
Desculpe pelas fotos horríveis. Eu não poderia tirar fotos, mas quis levar algumas na memória.
O primeiro show foi o do Flávio Venturini. Minha admiração pelo Flávio é bem antiga. O meu amor começou na primeira vez que ouvi Céu de Santo Amaro uma canção belíssima em parceria com Caetano Veloso lançada em uma novela de 2004. Me apaixonei imediatamente e esse amor só se fortificou com o passar dos anos. É realmente irônico eu ir em tantos shows ultimamente e nunca ter surgido a oportunidade de ir em um show de um artista brasileiro que eu admiro tanto. Mas digo “antes tarde do que nunca”.
E ainda bem que não foi tão tarde assim. Eu não poderia ter escolhido um show melhor pra ver. Eu vi um grande time de músicos que talvez nunca mais possa ter o prazer de ver, celebrando o incrível Clube da Esquina n 2.
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Foi um show extremamente belo e emocionante. Só de poder ver um artista que eu admiro há tantos anos na minha frente já valeu a pena. E depois poder vivenciar o verdadeiro espetáculo que foi a noite, me deixa sem palavras para explicar o quão extasiada e contente eu fiquei. Flávio é afinadíssimo, conduziu seus falsetes com extrema perfeição, emocionou a todos. Wagner Tiso com seus arranjos maravilhosos e maestria fez um show excelente. Toninho Horta também fez uma excelente participação e ajudou a trazer mais energia e descontração para o show. Confesso que a versão instrumental da música Clube da Esquina II me levou as lágrimas instantaneamente, foi ouvir as primeiras notas e cair no choro. Aliás, é muito difícil não se emocionar com as músicas do Flávio, elas conseguem tocar o coração e os sentimentos de todos magnificamente. Um verdadeiro afago para o coração.
Adriana Calcanhotto
Continua difícil escrever sobre artistas que você gosta e admira há tanto tempo como eu admiro a Adriana. Eu me lembro de ter 11 anos e ouvir sofrida suas músicas enquanto chorava por alguma tristeza qualquer, me lembro de ter 16 anos e chorar pela milésima desilusão amorosa ouvindo Devolva-me, me lembro de ter 22 anos e continuar chorando ouvindo suas músicas. Eu sou uma eterna chorona quando se trata de Adriana Calcanhotto. E eu chorei no show também, como não? Ela consegue tocar meu coração o mais solenemente possível.
Estar no mesmo ambiente que essa fada maravilhosa já é por si só uma grande conquista, vê-la tocar seu violão e cantar suavemente enquanto nos olha nos olhos já é uma conquista maior ainda. A turnê “A Mulher do Pau Brasil” é uma experiência deliciosa do começo ao fim. Podemos presenciá-la entoando poemas, tocando instrumentos de percussão, saudando seus clássicos e cantando músicas novas enquanto se diverte e nos diverte ao lado Bem Gil e Bruno Di Lullo.
Espero poder presenciar mais belíssimos espetáculos dessa mulher incrível, versátil e maravilhosa nos próximos anos. Valeu muito a pena vê-la nessa turnê e espero poder vê-la muitas vezes mais.
Roteiros dos shows da Adriana e Lô distribuídos no Sesc Pinheiros
Lô Borges
O show do Lô Borges entra facilmente na minha lista de melhores shows do ano. Tanto pela performance, quanto pela qualidade do show, pelo entusiasmo da plateia e pelo clima excelente da noite.
Da primeira vez que vi o Lô, confesso que não foi uma das melhores situações. Mas com certeza a lembrança desse show supera qualquer lembrança ruim que eu tivesse. O Lô estava no ponto alto de sua energia e carisma, me lembro de rir muito e me divertir mais ainda durante esse show. No início, quando o repertório estava focado no disco do Tênis, algumas pessoas da plateia reclamaram do som, confesso que não notei nada de ruim no som, mas sempre temos alguns chatos de plantão que nunca estão satisfeitos com som algum. Porém, ao longo do show, todos foram se contagiando tanto pela performance tanto pela celebração do álbum do Clube da Esquina.
Esse é certamente um dos álbuns da MPB que eu mais gosto, um álbum que eu cresci escutando no carro com a minha mãe. Um álbum repleto de artistas ultra talentosos e especiais, que nos faz admirar todas as riquezas e maravilhas que o país tem, especialmente quando se trata de Minas Gerais, berço de artistas incríveis. É um álbum difícil de não se apaixonar, carregando fãs dentro da cena alternativa, da MPB e de todos que tem bom gosto. Os arranjos excelentes de guitarra presentes no álbum foram reinterpretados fielmente durante o show várias vezes por 4 dos músicos, sem criar uma atmosfera enfadonha ou confusa, cada linha de guitarra se completava e nos maravilhava. Foi muito legal ver a plateia interagindo e cantando bem alto as músicas que carregamos no coração e na alma. Certamente um show para se guardar no peito com muito carinho e alegria.
E foi em meio aos diversos gritos de #elenão durante o show do Lô, durante seus discursos e seu posicionamento político claramente contra a esse sujeito, que me questionei sobre o que eu escreverei a seguir.
Agora vem o textão…
Eu não acho que nós aqui do Rebobinados tenhamos nos manifestado politicamente com clareza, apesar de eu, Tatyane, me manifestar politicamente através das redes sociais e pessoalmente praticamente todos os dias. Nem sempre nos manifestamos, mas cada ato nosso é político. Já fiz alguns posts por aqui falando da música das minas no festival que compareci. Sempre que posso falo de mulheres na música, apesar de ter muitas autocríticas por não postar tanto quanto poderia ou gostaria. Já resenhei sobre bandas politicamente ativistas como a El Efecto. Mas ainda acho que eu faço muito pouco, aliás todos nós fazemos muito pouco.
Quando a Lupe de Lupe lançou a canção O Brasil Quer Mais, eu fiz um texto gigantesco falando de como artistas deveriam se manifestar politicamente mais vezes e entre outras coisas. No final das contas, só o Fabio chegou a ver esse texto. Na época eu achei polêmico demais postar. Vi amigos e colegas meus que frequentam os shows divididos, alguns achando genial e outros criticando abertamente.
Só que a gente esquece do tanto de bandas que fazem letras políticas e que nós compramos tudo isso e rotulamos comercialmente. Para quantos de nós ainda não está claro que System of a Down e especialmente o Serj Tankian escrevem músicas políticas? Eu conheço várias pessoas que são fãs do Serj e apoiam candidatos e/ou tem visões completamente distorcidas do que ele fala em suas músicas. Quantas pessoas que eu conheço que ouvem Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, músicas feitas durante a ditadura, cantam e celebram essas músicas e artistas, só que hoje aplaudem um maluco que prega a volta desses tempos malignos? Estou SEMPRE esbarrando em metaleiros que ouvem músicas claramente antifascistas, mas que defendem fascismo. Eu realmente não consigo entender esse tipo de postura.
É realmente desolador você apoiar um artista abertamente ativista e tentar censurá-lo quando ele começa seu ativismo. Faz pensar que as pessoas não estão entendendo o que apoiam. Será que é falta de clareza? Será que por evitar discutirmos sobre política chegamos a este ponto? Será que só deixar subentendido não basta? Será que não entendem que a luta que pregamos contra o sistema é o sistema apoiado por eles?
Eu acho que cada vez mais é preciso posicionamento político mais claro e objetivo vindo de artistas. Afinal, a arte é política. Apenas o ato de se fazer arte já é um ato político sozinho. E por evitarmos discutir sobre política que chegamos onde chegamos. Chegamos ao ponto em que temos um candidato com discursos claramente e abertamente misóginos, racistas, homofóbicos, separatistas e entre outros. É incabível que tenhamos lutado tantos anos por nossos direitos e vemos a possibilidade extremamente forte deles serem tirados de nós ano que vem. É incabível até que um sujeito como esse tenha sido considerado em algum momento para presidir um país. Acabo me questionando todos os dias como nós deixamos chegar nesse ponto?
E ainda é mais desolador o fato de que inúmeros familiares e conhecidos nossos compactuem com esses discursos. É desolador ver que pessoas próximas a nós tenham se revoltado tanto contra a “corrupção” que estão literalmente prestes a escolher qualquer um para ocupar o cargo mais importante em termos políticos. Não é assim que se trata a corrupção. Não é com violência que resolvemos a violência. E que atos e palavras vindas desse candidato tenham nos magoado tão profundamente ao longo desses anos, atos que vem motivando crimes de ódio nos últimos dias. É inaceitável, é inconcebível e desumano. Milhões de pessoas estão cegas pelo ódio, estão tão fora de si, tão inconformadas que resolvem mirar nos alvos mais fracos, em pessoas que são subjugadas há séculos, em qualquer minoria que resista. Eu não consigo ver uma coisa boa sequer nesse sujeito, eu não consigo concordar com uma frase sequer dita por ele, há anos que eu repudio essas palavras, repudio os atos, repudio a pessoa em si, e cada vez mais eu vejo gente o apoiando. Isso me entristece e me deprime em níveis inimagináveis. Eu vejo meus amigos sucumbindo ao medo, medo de serem quem eles são, medo de perderem a liberdade. Eu vejo as pessoas que eu gosto desaparecendo diante dos meus olhos por conta do medo, por conta do ódio destinado a eles, simplesmente por existirem. Não há NADA que justifique tanto ódio e discriminação. E não há nada que me doa tanto quanto ver quem eu amo morrer aos poucos.
E também é irônico o fato de que hoje em dia fere a minha existência, mas amanhã pode ferir a sua e a de todo mundo. Quando menos esperarmos, podemos nos ver embaixo de um sistema que não nos dê voz para criticarmos o governo, onde não podemos sair as ruas para reivindicar nossos direitos e expressar nosso descontentamento. E eu não quero viver sob esse sistema. Eu quero poder falar, eu quero ter voz. Eu quero que todos os artistas tenham voz. Não quero que voltemos a época em que artistas tinham que esconder e minimizar suas dores, não quero que sejamos silenciados. Não faz muito tempo que a ditadura acabou, somos uma democracia relativamente nova (e ela está sendo ameaçada neste momento), mas aparentemente não aprendemos nada com ela. Espero que ainda dê tempo de aprendemos alguma coisa até o segundo turno, que possamos aprender a ter humanidade, respeito ao próximo e não compactuar com a repressão. Espero e desejo tempos melhores para todos nós, que possamos ser livres e andar sem medo.
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Caía a tarde feito um viaduto E um bêbado trajando luto Me lembrou Carlitos A lua tal qual a dona do bordel Pedia a cada estrela fria Um brilho de aluguel E nuvens lá no mata-borrão do céu Chupavam manchas torturadas Que sufoco! Louco! O bêbado com chapéu-coco Fazia irreverências mil Pra noite do Brasil Meu Brasil! Que sonha com a volta do irmão do Henfil Com tanta gente que partiu Num rabo de foguete Chora A nossa Pátria mãe gentil Choram Marias e Clarisses No solo do Brasil Mas sei que uma dor assim pungente Não há de ser inutilmente A esperança Dança na corda bamba de sombrinha E em cada passo dessa linha Pode se machucar Azar! A esperança equilibrista Sabe que o show de todo artista Tem que continuar
Rebobinados repudia qualquer ato contra as minorias e qualquer ato que desrespeite os direitos humanos. Somos a favor da democracia, somos a favor do respeito, da liberdade, somos a favor de sermos o que queremos ser, de que a nossa existência não seja ferida, somos a favor da dignidade e do amor.